quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Rio 2016

Olimpíada: exercícios corporais e espirituais
Dizia o grande mestre espiritual Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, que os exercícios corporais e espirituais contêm em si uma profunda e positiva analogia. Assim podemos ler o que escreve no primeiro parágrafo do livrinho dos Exercícios Espirituais, seguramente o mais importante manual de espiritualidade da história do cristianismo.
“Primeira Anotação. Por este nome, exercícios espirituais, entende-se todo o modo de examinar a consciência, de meditar, de contemplar, de orar vocal e mentalmente, e de outras operações espirituais, conforme adiante se dirá. Porque, assim como passear, caminhar e correr são exercícios corporais, da mesma maneira todo o modo de preparar e dispor a alma, para tirar de si todas as afeições desordenadas e, depois de tiradas, buscar e achar a vontade divina na disposição da sua vida para a salvação da alma, se chamam exercícios espirituais.”
Com esta concepção do ser humano como ser em movimento, ser dinâmico, que só cresce e se realiza no bojo do exercício que o faz movimentar e exercitar o corpo e o espírito, Santo Inácio nos presenteia com uma revolucionária e muito atual visão antropológica. O ser humano não é um corpo de morte decaído e fadado à destruição com uma alma imortal. Não. O ser humano é um corpo animado pelo Espírito divino. E esse conjunto harmonioso e transcendente criado por Deus deve exercitar-se sob pena de esclerosar-se e fracassar nas metas mais importantes de sua vida.
Igualmente, em tempos de Olimpíada, quando os olhos do mundo inteiro se voltam para a Cidade Maravilhosa, o Rio de Janeiro, vemos que o que esta secular competição nos traz não é apenas uma mensagem centrada no desempenho corporal, na eugenia e na estética dos corpos desvinculados de subjetividade e interioridade.
Pelo contrário, ao contemplar a maravilha dos atletas que se prepararam durante meses e anos para enfrentar as provas, podemos ver igualmente atletas do espírito, que renunciaram a muitos prazeres e alegrias, legítimas ou não tanto, para poder dedicar-se inteiramente àquilo a que se propõem. E alguns deles e delas integram o mesmo amor e dedicação exercitando o corpo e o espírito, estejam ou não vinculados a alguma religião ou igreja.
Assim é que a superginasta Simone Biles, que já se comenta que superará a até então insuperável e mítica Nadia Komaneci, treina desde pequena com uma disciplina inquebrantável, acompanhada da reza do terço e da frequência à missa. Católica, Simone Biles confessa que a fé é uma das únicas constantes em sua vida atribulada, ao lado do esporte que é sua paixão. Criada pelos avós, Simone os chama de pai e mãe, e vai com eles à missa. Carrega consigo um terço branco que, esclarece, não é para rezar antes da prova, mas na vida de todo dia.
Também os atletas estadunidenses David Boudia e Steele Johnson ganharam medalha de prata na plataforma de dez metros da natação ornamental masculina. Após a prova, rezaram juntamente com o treinador e a cena foi transmitida ao vivo pela mídia. E testemunharam que a fé os mantém conectados à Terra, independente do êxito olímpico. E a fé de ambos é saber que sua identidade se encontra em Cristo.
O grande tenista Juan Martin del Potro, um homem de profunda fé, considera o encontro com o Papa Francisco um momento único que jamais esquecerá. Porém sua fé, Del Potro a demonstrou mesmo na quadra, após a luta com o pulso quebrado, as cirurgias que teve de fazer e o cansaço até a exaustão para chegar a uma prata que equivale a ouro. O abraço fraterno e emocionado no inglês campeão do tênis nestas Olimpíadas, Andy Murray, mostrava ao mundo que para além das Malvinas ou das Falklands, guerra que já dividiu os dois países, ocasionando a morte de mil jovens argentinos, a fraternidade e o espírito de respeito e amor ao outro é possível.
Mencionamos aqui três atletas cristãos. Mas os há de várias religiões e mesmo sem religião, mas com profunda abertura para a transcendência e a espiritualidade. Por isso mesmo, os jogos olímpicos no Rio de Janeiro contam com um centro inter-religioso, onde atletas e treinadores podem desfrutar de momentos para meditar, fazer preces e celebrações. O cardeal do Rio, Dom Orani Tempesta, declarou: “É muito bom ver o Rio de Janeiro como um povo acolhedor, onde as religiões se entendem”. E o capelão judeu para os atletas olímpicos, o rabino Elia Haber, comentou: “Esperamos conseguir prover este balanço entre o físico e o espiritual. É muito importante para o atleta trabalhar isso”.
Neste momento, atletas somos todos, concentrados que estamos nesta bela experiência de sediar os jogos olímpicos. Já vemos que se trata de algo que abre para além de esforços físicos e treinamentos exaustivos, embora estes sejam parte constitutiva das provas. Como nos relembra Santo Inácio, o verdadeiro jogo é a vida e nela há que exercitar constantemente corpo e espírito, integrados em harmoniosa síntese que visibiliza no mundo o sonho de Deus para a humanidade.

Maria Clara Bingemer

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