A Palavra de Deus adverte quem oprime e explora.
A
parábola que Jesus apresenta aos discípulos no evangelho de hoje é muito
complexa. Para entende-la, tenhamos bem presentes na memória as parábolas que
Jesus nos propôs no domingo passado para defender sua prática solidária com os
pobres e excluídos. São inesquecíveis as figuras do pastor que sai pressuroso
ao encontro da ovelha que se perdeu e da mulher que varre atentamente a casa em
busca da moeda extraviada. E como esquecer a figura daquele pai que esbanja
atenção, dinheiro e compaixão na festa de acolhida do filho que chegara a
disputar comida com os porcos?
A
parábola de hoje coloca em evidência um protagonista muito diferente: um
administrador acusado de esbanjar os bens que não lhe pertencem e que, por
isso, está ameaçado de demissão. Ciente de que não está preparado para assumir outro
trabalho e recusando-se a pedir esmolas, o administrador esbanjador age com esperteza
e rapidez: altera, em favor dos devedores, o montante de algumas contas,
prejudicando mais ainda seu patrão! Faz isso movido pela esperança de que, no
futuro, os devedores por ele beneficiados retribuam solidariamente e
abundantemente seu gesto de bondade.
O que
surpreende e desconcerta é que a esperteza desonesta do administrador seja
explicitamente elogiada pelo patrão (e pelo próprio Jesus). Há quem explique o
elogio a esta ação aparentemente imoral levantando a hipótese de que o ‘desconto’
de 50 e 20% corresponderia aos juros iníquos cobrados pelo credor ou à comissão
à qual o administrador teria direito. Seria isso mesmo? Ou Jesus estaria
propondo outra mensagem, semelhante àquela do pai que gasta sem critérios para
acolher e restabelecer a dignidade do filho que havia descido involuntariamente
ao degrau mais baixo do inferno social?
A questão
fundamental que Jesus apresenta com esta parábola poderia ser formulada da
seguinte maneira: Como usar de forma evangelicamente correta os bens, as honras
e o prestígio que temos como cristãos e como Igreja? A palavra corajosa de Amós
traz à luz do dia as práticas de acúmulo que os ricos de todos os tempos tentam
esconder nas sombras da noite ou nas franjas da hipocrisia mais deslavada. Mas
Jesus também deixa claro que somos apenas administradores de bens que não nos
pertencem e que, frente ao bem maior do Reino de Deus, o dinheiro é coisa de
pouco valor e radicalmente injusta.
O
administrador aparentemente desonesto é elogiado porque evita ser amigo do
dinheiro (como o são os fariseus) e se mostra amigo das pessoas, não das que
contabilizam créditos, mas daquelas que são devedoras insolventes. Com ele, nós
aprendemos que o dinheiro que passa pelas nossas mãos, bolsas e contas não nos
pertence e precisa ser usado corretamente: para construir solidariedade, para
beneficiar a pessoa humana (todas as pessoas, insiste Paulo), começando pelas
mais necessitadas. É o oposto daquilo que fazem os comerciantes e políticos denunciados
pelo profeta Amós!
Aquilo
que, à primeira vista, parece esbanjamento e desonestidade é, na verdade, sabedoria
evangélica! Precisamos assumir nossas responsabilidades no mundo da economia –
produção, administração, distribuição e consumo de bens – com critérios
evangélicos. E o critério fundamental é este: ou os bens estão a serviço de uma
convivência social sadia e solidária, ou não servem pra nada! E desviar para os
bens econômicos o amor e o afeto que devemos às pessoas é uma loucura que
compromete nossa felicidade pessoal e destrói os laços sociais. Só o uso
solidário pode lavar o dinheiro sujo!
O próprio
Jesus veio ao mundo como herdeiro e administrador das coisas do Pai, e não fez
outra coisa que diminuir e cancelar os débitos das pessoas e grupos que os sistemas
criminalizam. Ele esbanjou os bens do Pai, inclusive a própria vida, para fazer
amigos entre os excluídos! Ele não teve receio de comprometer a honra, o nome e
a própria ortodoxia para fazer amigos. Mas, infelizmente, muitas Igrejas ainda dão
a impressão de existem unicamente para aumentar estas contas ou cobrar comissão
para renegociá-las... Em vez de fazer amigos e emancipar os oprimidos, engordam
suas contas bancárias.
Senhor, tua Palavra é caminho de sabedoria. Queremos
guardá-la e pô-la em prática em todas as circunstâncias da nossa vida.
Ensina-nos a contar adequadamente o tempo e avaliar corretamente o valor das
coisas. Concede-nos a coragem de desmascarar os males que nos são propostos em
belas e sedutoras embalagens. Confirma-nos no serviço a ti, único e supremo
bem, e àqueles que são excluídos da mesa e recebem apenas as migalhas que
sobram. Ajuda-nos a gastar tudo o que temos e somos para fazer amigos e irmãos,
retirando os pobres do lixo e fazendo-os sentar entre os nobres do teu povo.
Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Profecia de Amós 8,4-7*
Salmo 112 (113) * 1ª Carta a Timóteo 2,1-8
* Evangelho de São Lucas 16,1-13)
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