Mesmo que um dos
mortos ressuscite, eles não ficarão convencidos (Lc 16,19-31)
Este último trecho do capítulo 16
de Lucas continua os ensinamentos de Jesus sobre as riquezas, ou melhor, sobre
a questão fundamental da partilha dos bens como necessidade absoluta para os
seus discípulos. Aqui, temos a famosa parábola do “Rico e Lázaro”, e também a
reflexão sobre o destino dos irmãos do rico. Levanta a questão: “Irão
seguir o exemplo do irmão rico ou atender o ensinamento tanto de Jesus como do
Antigo Testamento sobre o cuidado dos necessitados, como Lázaro, e assim se
tornarem Filhos de Abraão?”
Os destinatários do Evangelho de
Lucas eram as comunidades cristãs urbanas das cidades gregas do Império Romano.
A imagem da parábola é típica da sociedade urbana, tanto a de então como a de
hoje! De um lado, o rico que esbanja dinheiro e comida em banquetes e
futilidades, e do outro lado o pobre miserável, faminto e doente. Ambos
vivem lado ao lado, sem que o rico tome conhecimento da existência e dos
sofrimentos do pobre! Quantos exemplos disso existem hoje! Lado ao lado
com a maior opulência, a mais desumana miséria, e entre as duas situações uma
barreira de cegueira e indiferença...
É muito interessante - e
importante para a nossa compreensão da parábola - que os vv. 22-26 não dizem
que o rico foi para o inferno por que ele fazia algo moralmente repreensível; e
nem que Lázaro foi para o céu porque ele era “santo”. Por isso, por tão
inconveniente que possa soar em uma sociedade como a nossa, dá para entender
que esse trecho condena o rico simplesmente por ser insensível, em uma sociedade de
empobrecimento, e abençoa o pobre pelo simples fato de estar sofrendo a miséria
em uma sociedade que esbanja os bens necessários para a vida.
É interessante que no texto o
rico não tem nome, mas o pobre sim. “Lázaro” que dizer em hebraico “auxiliado
por Deus”. A riqueza torna-se pecado diante da situação desumana dos pobres,
pois é a negação da partilha e da solidariedade! O que dizer então da nossa
sociedade atual neoliberal, com a escandalosa desigualdade que ela ostenta?
O rico foi condenado porque ele simplesmente se fechou diante do sofrimento
alheio. A parábola não diz uma palavra sobre o comportamento dele fora desse
aspecto. Esse fechamento é a negação de todo o ensinamento do Antigo e do Novo
Testamento. O simples fato de existir lado ao lado o rico opulento e o Lázaro
sofrido é a condenação de uma sociedade pecaminosa que permite esta situação anti-evangélica.
A segunda parte da história,
versículos 27-31, continua com o diálogo entre o rico e Abraão, e mostra
claramente que a sua indiferença diante do sofrimento de Lázaro não estava de
acordo com o Antigo Testamento (vv. 29-31), e nem com Jesus (v. 9). Enfatiza
que nem manifestações milagrosas vão mudar o coração duro de quem não quer
ouvir a Palavra de Deus: “Abraão lhe disse: Se eles não escutam a Moisés e os
profetas, mesmo que um dos mortos ressuscite, eles não ficarão convencidos”(v. 31).
“Moisés e os profetas” significa a Escritura, pois a Bíblia hebraica se dividiu
em Lei (Moisés) e Profetas.
Palavra tão atual! Pois não é por
falta de conhecimento da Palavra de Deus que o mundo se acha na sua situação
atual. Não é por desconhecimento do ensinamento de Jesus sobre a fraternidade
e a solidariedade, que temos uma sociedade excludente hoje no Brasil!
Não é por falta de celebrações litúrgicas e sacramentais que há tanto
sofrimento nas nossas ruas e bairros! É simplesmente porque a sociedade opta
por se organizar conforme critérios anti-evangélicos, e porque tantos cristãos
reduzem o cristianismo a uma série de leis, ritos e doutrinas, muitas
vezes não ultrapassando muito de uma simples lista de “boas maneiras”.
Optamos por diluir as exigências
do Evangelho para que possamos continuar com os “ricos” e os “Lázaros” de hoje,
lado ao lado, sem que estes incomodem aqueles! Sabemos o que a Bíblia diz,
conhecemos muito bem o ensinamento de Jesus, mas continuamos na construção de uma
sociedade injusta, fundamentada sobre a idolatria do lucro, com a consequência
automática do sofrimento e exclusão.
O rico e Lázaro continuam morando
hoje em nossas cidades. Jesus hoje nos desafia para que optemos por outra forma
de sociedade, onde todos terão acesso aos bens necessários para uma vida digna.
Se
não queremos ouvir o que nos diz a Palavra de Deus, se queremos continuar
surdos diante do grito dos excluídos, então o nosso destino será também aquele
do rico da história. “Tenho medo de não responder, de fingir que não
escutei; tenho medo de ouvir teu chamado, virar doutro lado e fingir que não
sei!”
Lucas não deixa que o leitor
evite as questões gritantes da ligação entre fé e vida, entre religião e
economia, questões mais atuais do que nunca, sempre abordadas pelo Papa
Francisco, que na verdade simplesmente nos recorda o ensinamento do Evangelho,
que a sociedade conhece bem, mas reluta para não colocar em prática.
Thomaz Hughes
Nenhum comentário:
Postar um comentário