quarta-feira, 5 de outubro de 2016

ANO C – VIGÉSIMO-OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 09.10.2016

Somos regenerados pela compaixão e enviados em missão!

A travessia que Jesus e seus discípulo estão realizando não é apenas geográfica. É uma caminhada consciente e tem um rumo preciso: Jesus se dirige a Jerusalém, onde enfrentará os poderes religiosos e políticos e revelará a compaixão de Deus pelos excluídos. Ele faz essa passagem com um objetivo muito claro: desloca-se da periferia social ao centro político, transforma os últimos em primeiros, aprecia quem é desprezado, revela a presença de Deus na contramão da história e da religião. E, de tabela, potencializa a força emancipadora mais ou menos adormecida em cada ser humano.
Na Samaria, um grupo de leprosos deixa o fechado círculo de um pequeno povoado e se aproxima de Jesus. Parece que a ideologia estreita e fechada da cidade fazia mal a eles, pois costuma considerar culpáveis e proscritos os pobres, os doentes, os rebeldes, os diferentes. Mas, em vez de cumprir as prescrições e anunciar claramente a própria impureza, permanecendo assim longe das pessoas consideradas puras, eles reconhecem Jesus como mestre e gritam: “Tem compaixão de nós!” Há algo muito especial que faz com que este grupo de leprosos saia da cidade em busca de uma mudança...
Este pedido brota da dor de serem excluídos. Por trás da súplica, está a situação dramática que vivem todos aqueles que são infectados pela lepra e pela ideologia estreita e escravizadora do judaísmo daquele tempo. Mas o grito quase desesperado implorando compaixão também é revelador de uma embrionária consciência de que Deus não vira o rosto nem fecha o coração diante do drama que vivem os doentes, discriminados e excluídos. Mesmo sem conseguir reconhecer claramente a identidade de Jesus apelam a algo que é essencial em Deus: sua compaixão em favor dos marginalizados.
A resposta de Jesus ao pedido desesperado dos leprosos é, inicialmente, o cumprimento de uma norma legal: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Como poderiam eles ir ao templo, se era exatamente a lei por ele regulada que os mantinha distantes e separados? Eles ainda não estavam curados, e entrar no templo seria um sacrilégio imperdoável! Entretanto, é no caminho, e não no templo, que eles são curados. É da ruptura com a cosmovisão estreita e dominadora do templo, da adesão crescente a Jesus – caminho, verdade e vida! – e à sua Palavra que vem a força que restaura a dignidade e liberta das exclusões.
Entre os dez leprosos havia um samaritano. Os demais provavelmente eram galileus. Percebendo-se curados, os nove galileus continuam firmes a marcha em direção ao templo, e são por ele novamente assimilados. Apenas o samaritano volta para agradecer a Jesus e glorificar a Deus, evitando assim as malhas e amarras do templo. É possível que os nove leprosos que continuam indo ao templo representem os discípulos que resistem à novidade exigente e libertadora de Jesus, os cristãos que continuam acreditando nos privilégios das minorias e na supremacia das leis e instituições.
Por sua vez, o leproso samaritano representa todos os excluídos e marginalizados que acolhem o Evangelho e se tornam discípulos de Jesus. “Tua fé te salvou.” A reconquista da plena cidadania e do respeito não é uma concessão generosa do templo ou daqueles que o controlam, nem mero resultado de uma piedade difusa e ingênua. É fruto maduro e saboroso de uma fé dinâmica e consequente, que provoca rupturas e sustenta buscas. A declaração solene de Jesus ao samaritano purificado é semelhante a outras que fez à mulher vista como pecadora que beijara seus pés (cf. Lc 7,50), à mulher que sofria de hemorragia e era tratada como impura (cf. Lc 8,48), ao cego e mendigo de Jericó (cf. Lc 18,42).
Em todas estas cenas vemos o mesmo drama humano e a mesma delicadeza de um Deus que nada reivindica para si mesmo: “Tua fé te salvou!” A experiência de ser acolhido por Jesus Cristo leva à decisão de segui-lo e culmina na aceitação de uma missão. O samaritano curado não é remetido ao templo e suas leis incapazes de libertar, mas recebe uma nova missão. Não é dito o que ele deve fazer, nem onde deve ir. Jesus simplesmente diz “Levanta-te e vai...” Pois a missão é isso: descobrir-se radicalmente enviado por Outro a outros; sentir-se convocado a descobrir sempre de novo onde e a quem servir.
Jesus de Nazaré, missionário que o Pai enviou para caminhar conosco nas estradas do mundo: nós te louvamos pela nuvem de testemunhas que nos antecederam ou que hoje caminham ao nosso lado como companheiros na missão. Com Paulo aprendemos que, se já morremos contigo, contigo também viveremos e faremos viver. Ensina-nos a levantar e partir em missão, movidos pela compaixão que vem de ti, mas cujo seu dinamismo não se esgota em nós. E ajuda-nos a romper com tudo o que escraviza e diminui a vida, tomando crítica distância das instituições e estruturas que ameaçam e intimidam. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(2° Livro dos Reis 5,14-17 * Salmo 97 (98) * 2ª Carta a Timóteo  2,8-13 * Evangelho de São Lucas 17,11-19)

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