quinta-feira, 3 de novembro de 2016

ANO C – SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS – 06.11.2016

Bendita e santa fome e sede de justiça!

Hoje a festa é de todos os santos e santas. Como poderíamos esquecer que a verdadeira santidade é aquela que se manifesta na vida das pessoas que ousam sair do estreito limite dos seus próprios interesses e se aproximar solidariamente dos últimos; que vão aos rincões mais distantes para levar a bandeira da paz; que são movidas por uma insaciável sede de justiça; que choram as dores dos povos de todas as cores, e provam o fel da violência e da perseguição; que transformam a terra pela mansidão...? Celebremos a alegria de participar de uma imensa caravana de homens e mulheres de todas as raças, nações e línguas que nos precedem, nos acompanham e nos seguem.
A festa de hoje faz memória das santas e santos esquecidos, daqueles que não têm um dia especial, nem um nome conhecido, que gastaram a vida anonimamente e cujos milagres não cabem nas estreitas regras canônicas; de gente como Sepé Tiarajú, Padre Cícero, Dom Romero, e Ir. Dorothy; e mesmo de gente que não rezou pelo nosso catecismo, como Lutero, Martin Luther King, Gandhi, Betinho e tantos outros. Hoje celebramos a memória de todos aqueles que nos antecederam na fé e cujo testemunho mantém a Igreja e a humanidade no caminho certo, apesar das suas resistências e ambivalências.
Mas a celebração de todos os santos e santas não olha somente para o passado. É oportunidade e provocação para refletir sobre a vocação fundamental de todos os cristãos. É verdade que a santidade é um caminho estreito e uma vocação exigente, mas isso não significa que seja reservada a alguns grupos especiais de cristãos. Há mais de 50 anos o Concílio Vaticano II proclama de forma clara e inequívoca, contra a ideia predominante nas Igrejas, que a santidade não é privilégio dos sacerdotes e religiosos. Muito antes, a história já havia comprovado o que agora é proclamado solenemente.
Na passagem do milênio, João Paulo II nos provocava a não contentarmo-nos com pequenas medidas, com voos rasantes e ideais nanicos, e pedia que aspirássemos nada menos e nada mais que à santidade. O chamado à santidade, que é para todos, precisa se transformar em desejo pessoal e em decisões e ações concretas. Como diz São João, nós somos chamados filhos de Deus e já o somos desde agora, mas somos desafiados a crescer na identificação com Jesus Cristo, a gravar no corpo e na mente as marcas de Jesus Cristo. “Seremos semelhantes a ele...” E isso deve ser mais que um simples sentimento.
Jesus Cristo é o verdadeiro e perfeito santo de Deus e, ao mesmo tempo, o caminho para a santidade. Não há santidade à margem do seguimento de Jesus Cristo, mesmo que tal seguimento seja implícito. Trata-se de refazer o caminho prático trilhado por Jesus: “amar como Jesus amou; sonhar como Jesus sonhou; pensar como Jesus pensou; viver como Jesus viveu; sentir como Jesus sentia...” Este é o caminho para que, no meio ou no fim do dia e no meio ou no fim da vida, sejamos felizes, santos. O caminho para santidade, percorrido pelo próprio Jesus Cristo, é pavimentado pelas bem-aventuranças!
A bela mensagem deste trecho do “sermão da montanha” apresenta os sinais que indicam o caminho da santidade. Jesus não fala de oito grupos específicos de pessoas, mas de oito características daqueles que percorrem este caminho. Esta via sagrada começa com a pobreza e termina com a perseguição, que não representa um obstáculo, pois o Reino de Deus é antes de tudo dos pobres e dos perseguidos. A consolação é para os aflitos, a terra é para os mansos, a saciedade é para os famintos, a misericórdia é para os compassivos, a visão de Deus é para os puros e a filiação divina é para os promotores da paz.
Felicidade e santidade não significam ausência de dificuldades, mas realização plena e profunda do ser humano. Mais que perfeição, santidade é perseverança no amor e no serviço. Passa longe do Evangelho uma santidade que se resume em práticas de piedade e devoções. Está distante da essência humana uma felicidade baseada no sucesso pessoal, indiferente à sorte dos semelhantes. As pessoas que se vestem de branco e trazem palmas nas mãos são aquelas que vieram da grande tribulação, que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro, que encarnaram o Evangelho no mundo e na própria vida.
Deus pai e mãe, fonte de toda santidade. Dá-nos a graça de permanecermos sempre de pé diante do teu Filho, rodeados pela nuvem de testemunhas anônimas, de gente de todas as nações, tribos, raças e línguas. Ajuda-nos a superar a tentação de separar, catalogar e hierarquizar católicos e evangélicos, cristãos e não-cristãos. Fica conosco e caminha à nossa frente, para que estejamos sempre prontos a amar e servir. E que a inexplicável alegria em meio às intermináveis lutas seja nossa arma e nosso triunfo. E então estaremos vivendo em comunhão com aqueles que te louvam no céu e na terra. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Apocalipse de S. João 7,2-4.9-14 * Salmo 23 (24) * 1ª. Carta de S. João 3,1-3 * Evangelho de Mateus 5,1-12)

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