Como construir o Reino de Deus em tempos tão difíceis?
Jesus não
se deixa enganar pelo gesto meticulosamente pensado dos ricos que versam volumosas
esmolas, banhadas de sangue, no tesouro do Templo, e critica a exploração que
elas encobrem. Mas alguns discípulos se extasiam diante da grandiosidade dos
muros e das ofertas... Será que imaginam que Deus vem a nós montado no poder e
sua glória repousa nos templos suntuosos? Será que a eternidade e a
estabilidade são privilégios do poder e da grandeza? Será que o amor humilde e
perseverante carece de brilho e de esplendor? Será que os últimos serão sempre
os últimos?
Para
Jesus, o futuro não é uma simples reprodução potencializada dos horrores e
injustiças do presente. Segundo o profeta Malaquias, no projeto de Deus há um ‘dia
do Senhor’, um dinamismo semelhante ao fogo que queima como palha o atrevimento
daqueles que praticam injustiças: deles não sobrará nem raízes, nem ramos. Mas,
para os oprimidos, este dia surge como sol depois de uma tempestade, fazendo-os
saltar de alegria. A força de Deus que age mediante pessoas, grupos e comunidades
frágeis e perseverantes reduzirá a nada as grandezas erguidas com o sangue e o
suor dos pobres.
Jesus não
se impressiona com a aparente estabilidade do Templo. “Dias virão em que não
ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído.” Ele não prevê uma vingança do
destino, nem algo que acontecerá independente da ação humana. Quem crê nesta
Palavra se liberta da sedução das grandes coisas e, na mesma medida, começa a
desestabilizar os podres poderes na sua própria base. Mas, em nenhum momento Jesus
nos assegura que esse caminho será fácil, pleno de êxito e de glória. Ao
contrário, ele insiste que a luta é grande e difícil. O que ele faz é assegurar
sua presença ao nosso lado.
Viver na
nostalgia e na expectativa dos grandes eventos, momentos e monumentos é
contrário ao espírito de Jesus. O caminho daqueles que levam em seu corpo as
marcas do crucificado é o único capaz de transportar vida e garantir fidelidade
à Igreja do Senhor. Mas precisamos ficar atentos, pois, nos momentos de crise,
quando os caminhos se bifurcam e os poderes estabelecidos inventam novas formas
de opressão, costumam surgir mensageiros que se apresentam como libertadores,
propondo estranhos caminhos de salvação e assegurando que ela está à porta.
Jesus pede
que não sejamos ingênuos, e diz claramente: “Não andeis atrás desta gente!” Não
podemos dar crédito a mensagens e mensageiros alheios ao Evangelho, que passam
à margem da compaixão com os pobres e da humildade da semente de mostarda. E
isso mesmo quando tais mensagens e mensageiros vêm do interior da Igreja e
revestidos de ostensiva piedade. Não podemos seguir aqueles que nos distanciam
de Jesus Cristo e seu Evangelho, fundamento e origem da nossa fé. Não podemos
ceder a propostas de fuga dos conflitos e de espera passiva da intervenção de
Deus.
Os tempos
difíceis não são para suspirar, lamentar e desanimar. É verdade que somos
tentados a pedir demissão da condição de discípulos missionários ou a lançarmo-nos
afoitos na restauração de estruturas caducas que parecem nos garantir
segurança. Jesus aponta para uma direção diferente. Nos tempos difíceis e
contraditórios é preciso aprofundar as raízes, ampliar os horizontes,
identificar o que é essencial e inegociável. O planejamento da própria defesa
não pode consumir nossas melhores energias! Insegurança, marginalização e
perseguição não são sinais de fracasso, mas convites a anunciar o Evangelho com
a vida. “Será uma ocasião para dardes testemunho...”
Cada
geração tem seus próprios problemas e desafios. Sem perder a calma, precisamos
encontrar a forma adequada de testemunhar aquilo que cremos e esperamos. Não
precisamos sonhar com heroísmos que ultrapassam as nossas forças, nem com
defesas e seguranças que impedem que nos tornemos adultos na fé. Não podemos
sacrificar a vocação profética no ambíguo altar da apologética. Jesus não promete vida fácil para quem segue
seus passos. A vitória e o sucesso são meras possibilidades, mas a perseverança
na luta é uma obrigação.
Jesus, sonhador indomável, verbo eloquente e profeta
perseguido: fica conosco nestes tempos difíceis, de ruína e de reconstrução do
mundo, da Igreja e do Brasil. Ensina-nos a viver a fé, a cultivar um estilo de
vida paciente e tenaz, liberto e criativo, que nos ajude a responder aos muitos
desafios sem perder a serenidade, nem a lucidez e a coragem. Ajuda-nos a construir o mundo que sonhaste
nas situações adversas nas quais vivemos, sem medo, sem passividade e sem
ingenuidade, esperando como se tudo dependesse de ti e sendo criativos como se
tudo dependesse de nós. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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