quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

ANO A – FESTA DA SAGRADA FAMILIA DE NAZARÉ – 30.12.2016

A Sagrada Família assume as raízes e esperanças populares

Ainda imbuídos do espírito natalino, hoje somos convidados a contemplar o quadro de uma família que caminha em meio às contingências da história, guiada pela fecunda obscuridade da fé. A família de Nazaré percorre o duro caminho dos refugiados e, voltando do exílio, segue o rumo da marginalidade, tomando distância de Jerusalém, a capital, para viver em Nazaré, na periferia. Praticamente ninguém percebe nada de especial nessa família. O essencial permanece oculto ao olhar que não considera as coisas à luz da fé. O Verbo de Deus se fez carne, e fez de uma família anônima e normal o seu lar!
Depois de uma estadia que podemos imaginar difícil no Egito, obediente à voz do anjo, José guia Jesus e Maria a Nazaré, na Galileia, e ali estabelece sua morada. O povo da Galileia, lugar de origem dessa família, era mestiço, tanto do ponto de vista étnico como religioso, e a região era considerada uma terra de gentios (cf. Is 8,23). De fato, a Galileia nunca chegou a ser uma região verdadeiramente israelita, pelo menos do ponto de vista religioso. E Nazaré era um pequeno povoado que pouco representava para os judeus, mesmo que nela tenha possivelmente vivido um ramo marginal da descendência de Davi.
Para a Sagrada Família de Nazaré, manter a decisão de morar em Nazaré significou fazer suas as esperanças cultivadas pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé” (cf. Is 11,1-9). Implicou também em não se afastar das raízes populares e do vínculo com os pobres, assumir resolutamente os caminhos abertos pelos povos periféricos, por aqueles que estão longe, e privilegiar a encarnação da esperança nos retalhos que compõem a vida cotidiana, dimensão que tece a vida normal de todas as pessoas. Eis aqui uma perspectiva que os discípulos missionários jamais devem abandonar!
Nas cenas descritas pelo evangelista, José e Maria não dizem uma única palavra. O protagonista e o dono da Palavra é Deus. É Ele que fala e conduz todas decisões e ações. O próprio José, mesmo tomando iniciativas lúcidas que respondem ao apelo que Deus lhe faz mediante os sonhos, não governa sua família como um patriarca que manda e espera ser obedecido. Ao contrário, é ele quem obedece e, atento aos acontecimentos históricos, protege fielmente e se põe a serviço da esposa e do filho, sacrificando a isso honras e comodidades. Como Abraão, ele vive pela fé e, assim, se revela um grande amigo de Deus.
A cena descrita por Mateus impede que imaginemos a Sagrada Família de Nazaré de modo ingênuo ou romântico. Como expressão da eterna compaixão de Deus pela humanidade e da resposta absolutamente generosa da humanidade a este dom, a família de Nazaré inspira as famílias a serem espaço e dinamismo de enraizamento nas utopias do nosso povo e de crescimento humano e espiritual; a formar comunidades afetivas que tecem seus vínculos num amor inclusivo e aberto; a caminhar discernindo Palavra e a vontade de Deus nos complexos sinais dos tempos.
O Papa Francisco exorta as famílias a terem diante de si o ícone da família de Nazaré, “com seu dia-a-dia feito de fadigas e até de pesadelos, como quando teve que sofrer a violência incompreensível de Herodes, experiência que ainda hoje se repete tragicamente em muitas famílias de refugiados.” E convida as famílias a se inspirarem nos magos e a contemplar o Menino e sua Mãe, prostrando-se e adorando-o. Por fim, como Maria, as famílias são exortadas a “viver, com coragem e serenidade, os desafios familiares tristes e entusiasmantes, e a guardar e meditar no coração as maravilhas de Deus” (Amoris Laetitia, 30).
No tesouro do coração de Maria e de José estão os acontecimentos, dificuldades, sonhos e lutas de cada família de hoje, como a situação de mais de 20 milhões de mães brasileiras solteiras, e de mais de 5 milhões de filhos e filhas sem o nome de um pai no seu registro. O Papa Francisco ensina que, nas situações difíceis das pessoas e famílias mais necessitadas, a Igreja é chamada a “compreender, consolar e integrar”, evitando a imposição de “um conjunto de normas como se fosse uma rocha” ou julgando-as e condenando-as, em aberta contradição com sua missão de ser como uma mãe, de quem se espera uma manifestação clara e inequívoca da misericórdia de Deus (cf. Amoris Laetitia, 49).
Jesus Salvador, filho de Maria e de José, Irmão querido! Viveste a aventura e os desafios que a vida familiar encerra, e nos ensinaste que a família morre se não rompe os estreitos limites do sangue e dos papéis estabelecidos. Guia nossas famílias e comunidades no caminho que tu mesmo percorreste com tua família: no amor terno e comunicativo; na dedicação e fidelidade recíprocas; na atenção à surpreendente Palavra de Deus; na abertura às dores e aos sonhos da humanidade; no empenho lúcido e generoso na tarefa de derrubar as barreiras, até que todos os homens e mulheres sejam uma só família. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Eclesiástico 3,3-7.14-17 * Salmo 127 (128) * Evangelho de São Mateus 2,13-15.19-23)

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