sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Curso de Missiologia (Passo Fundo - 12)

Uma Igreja de portas abertas e em saída!
Nosso querido Papa Francisco confessa e propõe: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Por isso ela sabe ir à frente, tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos” (Evangelii Gaudium n° 49). Falando do encontro pessoal e da intimidade com Jesus Cristo como origem da missão, diz que, “fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, e não se pode excluir ninguém...” (Idem, n° 23).
Todos sabemos que o Papa vem nos desafiando e estimulando com uma série de metáforas que ilustram bem o rosto e o coração de uma paroquia e uma comunidade missionária. Ele fala de uma ‘Igreja em saída’, que se assemelha mais a um hospital de campanha que a um posto de alfândega, mais samaritana que judicial, que não teme sujar as mãos para exercer a compaixão, que não se deixe limitar pelos muros e fronteiras territoriais, que sai alegre e decididamente às periferias existenciais e sociais para compartilhar a vida e a esperança.
O discípulo missionário sabe que exerce sua missão na Igreja, “em saída”, e sabe que esta saída exige prudência, coragem e ousadia. O Papa Francisco diz que, para viver e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo no mundo globalizado, os cristãos, suas comunidades e paróquias, precisam dizer e viver uma série de nãos:
·     Não à economia da exclusão e à cultura do descartável; (EG 53);
·     Não à globalização da indiferença (EG 54);
·     Não ao feitiço do dinheiro e à especulação financeira (EG 55-56);
·     Não à desigualdade social que gera violência (EG 59);
·     Não à fuga dos compromissos (EG 81);
·     Não ao pessimismo estéril! (EG 84)
Mas o Papa também nos implora:
·     Não deixemos que nos roubem a esperança! (EG 86)
·     Não deixemos que nos roubem o entusiasmo missionário! (EG 80)
·     Não deixemos que nos roubem o Evangelho e a alegria de evangelizar! (EG 97)
·     Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização! (EG 150)
·     Não deixemos que nos roubem a comunidade! (EG 92)
·     Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno! (EG 101)
Para terminar, mais um dos pensamentos programáticos e provocativos do Papa Francisco: “Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho(Evangelii Gaudium n° 20).
Itacir Brassiani msf

Curso de missiologia (Passo Fundo - 11)

Comunidades e paróquias missionárias: agir é preciso!
Já é tempo de voltar ao ponto de partida. Como levar a sério e tornar efetivo as premissas, segundo as quais nosso carisma missionário poderia ser traduzido hoje como: participar da atividade missionária da Igreja, deslocando-se para as fronteiras territoriais, sociais e culturais; contribuir no fortalecimento das Igrejas locais; animar o espírito missionário nas Igrejas particulares; despertar, acolher e formar vocações missionárias; organizar e animar a pastoral da família? E o que podemos e devemos fazer para desenvolver um amplo e sério programa de ‘conversão missionária’ das Paróquias, como nos pede a Conferência de Aparecida e o próprio XIII Capitulo Geral?
Assim, podemos visualizar seis percursos de saída a serem abertos e trilhados pelas comunidades e paroquias que desejam acolher o apelo dos Bispos da América Latina e do Papa e se tornarem efetivamente missionárias:
a)  De uma Igreja auto-referencial ao Evangelho, para Jesus Cristo e o Pai;
b)  De uma Igreja que lamenta e espera a uma Igreja que vai ao encontro;
c)   Dos grupos e movimentos fechados em si mesmos a uma Igreja-Comunidade;
d)  De uma Igreja em concorrência com as outras para uma Igreja ecumênica;
e)   De uma Igreja devocional e sacramentalista a uma Igreja ouvinte da Palavra e envolvida com a transformação da sociedade;
f)    De uma Igreja restrita ao seu território geográfico a uma Igreja solidaria com outras comunidades.
Antes de tudo, algumas atitudes básicas dos membros da comunidade, especialmente dos agentes e responsáveis pelos organismos pastorais:
a)  Iniciar e voltar sempre a um conhecimento crítico e engajado do contexto da comunidade e da paróquia;
b)  Imbuir-se de uma permanente, crescente e mobilizadora inquietação missionária;
c)   Olhar tudo a partir do horizonte missionário, identificando campos, desafios e possibilidades;
d)  Inserir-se de modo afetivo e profundo no meio do povo, dialogando e interagindo com ele;
e)  Garantir uma boa comunicação e uma séria e permanente formação missionárias dos agentes, grupos e comunidades;
f)    Criar e cultivar espaços e instâncias de articulação das diversas iniciativas, grupos, organismos e comunidades (assembleias, conselhos, etc.).
Na perspectiva metodológica, é importante:
a)  Ativar permanentemente a consciência de pertença eclesial dos fiéis e agentes;
b)  Descentralizar as iniciativas, o culto e a administração econômica e pastoral;
c)   Promover, respeitar e empoderar os leigos e leigas nas diversas dimensões da vida eclesial;
d)  Promover a diversificação dos ministérios, para que a dimensão de serviço seja inequívoca;
e)   Deslocar a centralidade dos sacramentos e da devoção para a Palavra de Deus;
f)    Manter sempre viva a perspectiva missionária, de sair ao encontro para testemunhar, dialogar, servir e propor.
No aspecto organizativo, algumas iniciativas são imprescindíveis:
a)  Organizar e manter ativos grupos ou comissões que animem a pastoral familiar, a pastoral das vocações, a vida mission ria (infância, adolescência e juventude missionárias), o cuidado pastoral das pessoas em situação de vulnerabilidade (dependentes químicos, migrantes, doentes, idosos, moradores de rua, pobres, etc.);
b)  Iluminar e alimentar a vida eclesial com a Palavra de Deus, organizando círculos e cursos bíblicos e grupos de leitura orante;
c)   Promover e organizar os ministérios leigos para que atuem dentro e fora do espaço eclesial;
d)  Oferecer aos agentes de pastoral e a todos os fiéis uma profunda e continua formação na fé em chave missionária;
e)   Dar relevância e efetividade aos conselhos de pastoral.
Mas, além das atitudes e da organização, é importante promover eventos pontuais e intensos, nos quais a consciência e a ação missionaria é celebrada, visualizada e fortalecida:
a)  Celebrar com ênfase a semana da família, o dia dos pais, das mães e dos avós;
b)  Dar destaque às jornadas de oração pelas vocações e de oração pelas missões;
c)   Promover semanas vocacionais, semanas missionarias e semanas da família;
d)  Organizar missões especiais de ajuda solidaria aos setores sociais mais necessitados e de visitas periodicas a famílias em condições sociais especificas;
e)   Promover jornadas de informação e solidariedade missionaria; dar às celebrações, à formação e à catequese uma marcante perspectiva missionaria;
f)     Propor encontros e momentos celebrativos nas principais datas festivas da Congregação.

Itacir Brassiani msf

O Evangelho dominical: 29.01.2017

UMA IGREJA MAIS EVANGÉLICA

Ao formular as bem-aventuranças, Mateus, diferentemente de Lucas, preocupa-se em traçar as linhas que hão de caracterizar os seguidores de Jesus. Daí a importância que têm para nós nestes tempos em que a igreja há de ir encontrando o seu próprio estilo de vida no meio de uma sociedade secularizada.
Não é possível propor a Boa Nova de Jesus de qualquer forma. O Evangelho só se difunde a partir de atitudes evangélicas. As bem-aventuranças indicam-nos o espírito que há de inspirar a atuação da Igreja enquanto peregrina a caminho do Pai. Temos de as escutar em atitude de conversão pessoal e comunitária. Só assim poderemos caminhar para o futuro.
Ditosa a Igreja «pobre de espírito» e de coração simples, que atua sem prepotência nem arrogância, sem riquezas nem esplendor, sustentada pela autoridade humilde de Jesus. Dela é o reino de Deus.
Ditosa a Igreja que «chora» com os que choram e sofrem ao ser despojada de privilégios e poder, pois poderá partilhar melhor a sorte dos perdedores e também o destino de Jesus. Um dia será consolada por Deus.
Ditosa a Igreja que renuncia a impor-se pela força, a coação ou a submissão, praticando sempre a mansidão do seu Mestre e Senhor. Herdará um dia a terra prometida.
Ditosa a Igreja que tem «fome e sede de justiça» dentro de si mesma e para o mundo inteiro, pois procurará a sua própria conversão e trabalhará por uma vida mais justa e digna para todos, começando pelos últimos. A sua ânsia será saciada por Deus.
Ditosa a Igreja compassiva que renuncia ao rigorismo e prefere a misericórdia antes que os sacrifícios, pois acolherá os pecadores e não lhes ocultará a Boa Nova de Jesus. Ela obterá de Deus a misericórdia.
Ditosa a Igreja de «coração limpo» e conduta transparente, que não encobre os seus pecados nem promove o secretismo ou a ambiguidade, pois caminhará na verdade de Jesus. Um dia verá Deus.
Ditosa a Igreja que «trabalha pela paz» e luta contra as guerras, que junta os corações e semeia a concórdia, pois contagiará a paz de Jesus que o mundo não pode dar. Ela será filha de Deus.
Ditosa a Igreja que sofre hostilidade e perseguição por causa da justiça sem evitar o martírio, pois saberá chorar com as vítimas e conhecerá a cruz de Jesus. Dela é o reino de Deus.
A sociedade atual necessita conhecer comunidades cristãs marcadas por este espírito das bem-aventuranças. Só uma Igreja evangélica tem autoridade e credibilidade para mostrar o rosto de Jesus aos homens e mulheres de hoje.
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Curso de missiologia (Passo Fundo - 10)

A indispensável conversão missionária da paróquia e da comunidade
Para a Conferência de Aparecida, por mais indispensável que pareça ser, a paróquia não é a base da Igreja, mas uma célula viva, um elemento básico. O que é intrínseco à Igreja é a comunhão, e não a paróquia. Esta é um dos lugares eclesiais de comunhão (ao lado das dioceses, das comunidades de base e das conferências episcopais), embora continue sendo célula viva da Igreja e lugar importante, onde a maioria dos fiéis faz sua experiência eclesial com Jesus Cristo (cf. Aparecida n° 304).
Mas, para que possa ajudar a Igreja na sua missão no mundo de hoje, a paróquia precisa passar por um processo de conversão e reestruturação. Na Conferência de Aparecida, os bispos dizem que o que mais se deseja e necessita na América Latina é “uma valente ação renovadora das paroquias”, para que possam ser de verdade (a) espaços da iniciação cristã e da educação e celebração da fé; (b) abertas à diversidade de carismas, serviços e ministérios; (c) organizadas em modo comunitário e responsável; (d) integradoras de movimentos de apostolado já existentes; (e) atentas à diversidade cultural dos seus habitantes; (f) abertas aos projetos pastorais e supra paroquiais e às realidades circundantes” (Aparecida n° 170). A renovação missionária da paróquia se impõe de modo inexorável, especialmente no mundo urbano, que pede a criação de novas estruturas paroquiais (cf. Aparecida n° 173).
Por isso, como pede o Papa Francisco, cada comunidade e paróquia deve se empenhar e encontrar os meios necessários para “avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária”, pois as coisas não podem ficar como estão e a Igreja precisa se colocar em permanente estado de missão (cf. Evangelii Gaudium n° 25). “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (Idem, 27).
O que supõe e exige essa inadiável renovação da paróquia? Supõe verter as iniciativas, atividades e estruturas pastorais e administrativas para uma perspectiva missionária, fazer com que a pastoral ordinária seja mais comunicativa e aberta, situar os diversos agentes e grupos numa atitude de saída ao encontro daqueles a quem Jesus oferece sua amizade (cf. Evangelii Gaudium n° 27). Exige a reformulação das suas estruturas, para que seja uma “rede de comunidades e grupos” que ajudem seus membros a se sentirem discípulos e missionários de Jesus Cristo numa comunhão articulada. A respeito, nossas Constituições são claras: se assumimos a pastoral paroquial, façamo-lo tomando o cuidado para que não inviabilizem nosso carisma missionário e esforçando-nos para formar, com os fiéis, uma comunidade missionaria (cf. Diretório Geral n° 04).
Isso pede que a paróquia seja o espaço onde se recebe e acolhe a Palavra e se realiza a comunhão em torno do Corpo de Cristo, sendo assim a fonte dinâmica do discipulado missionário (cf. Aparecida 172). Daí que os melhores esforços da paróquia devem ser voltados à convocação e à formação de leigos missionários, pois somente através deles a Igreja conseguirá responder às exigências missionárias do momento atual (cf. Aparecida n° 174). Os Bispos do Brasil observam que “a conversão pastoral supõe passar de uma pastoral ocupada apenas com as atividades internas da Igreja a uma pastoral que dialogue com o mundo. A paróquia missionária há de ocupar-se menos com detalhes secundários da vida paroquial e focar-se mais no que realmente propõe o Evangelho” (CNBB, Doc. 100, n° 58).
Esse processo de conversão pastoral e missionária é permanente, e implica no discernimento daquilo que o Espírito pede à Igreja desde dentro dos desafios sociais e culturais nos quais estamos inseridos. E isso exige que façamos a passagem “de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionaria”, fazendo com que a Igreja se mostre uma “mãe que vai ao encontro, uma casa acolhedora, uma escola permanente de comunhão missionária” (Aparecida n° 370).
Sendo evidente que a dimensão social é intrínseca à evangelização, “que toda autêntica missão unifica a preocupação pela dimensão transcendente do ser humano e por todas as suas necessidades concretas, para que todos alcancem a plenitude que Jesus nos oferece”, a paróquia deve responder ao desafio de uma evangelização integral. “Cada paróquia deve chegar a concretizar em sinais solidários seu compromisso social nos diversos meios em que se move, com toda a imaginação da caridade. Não pode ser alheia aos grandes sofrimentos que a maioria de nossa gente vive e que com muita frequência são pobrezas escondidas” (Aparecida n° 176; cf. também ‘Reino de Deus e promoção da dignidade humana’, n°s 380-430).
A firme decisão de “viver e comunicar a vida nova em Cristo a nossos povos”, colocando-nos a serviço da vida plena para todos, unindo amor a Deus e amor ao próximo, fazendo-nos próximos e servidores daqueles que estão longe e trabalhando pela sua libertação integral (cf. Aparecida n° 347-364) pede, também, “conversão pastoral e renovação missionária das comunidades” (cf. Aparecida n° 365-372). Os Bispos insistem que “essa firme decisão missionaria deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais” das dioceses, paróquias, comunidades movimentos”, de modo que “nenhuma comunidade deve isentar-se de entrar decididamente, com todas as forças, nos processos constantes de renovação missionária e de abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé” (Aparecida n° 365).
Por isso, a Igreja “não pode nem deve colocar-se à margem na luta pela justiça”, e saberá encontrar modos e meios oportunos e eficazes para colaborar para que a justiça e a paz se abracem.  Guiar-se-á a Igreja nesse empenho pelo princípio da dignidade e do valor supremo de cada homem e cada mulher, pela opção preferencial e evangélica pelos pobres, pela promoção humana integral e pelo repto de globalizar e internacionalizar a justiça e a solidariedade, especialmente através: da participação na sociedade civil para reabilitar a ética na política; do empenho por uma ética que sustenta a responsabilidade do cidadão pelo seu semelhante, pelo bem comum e pelo ambiente; do engajamento pela regulação social da economia nacional e internacional (cf. Aparecida n° 406).
Considerando que a família é “um dos tesouros mais importantes” e “o valor mais querido por nossos povos” (cf. Aparecida n° 432 e 435), precisamos assumir a família como um dos eixos transversais da ação missionária e evangelizadora, dando vida a uma pastoral familiar intensa e vigorosa, empenhada em (a) proclamar o evangelho da família; (b) promover a cultura da vida; (c) trabalhar para que os direitos das famílias sejam reconhecidos e respeitados.
Para realizar sua missão e cumprir sua finalidade, a pastoral familiar devidamente organizada em nossas paroquias e comunidades pode desenvolver diversas iniciativas e ações: (1) estimular grupos e projetos que promovam famílias evangelizadas e evangelizadoras; (2) engajar-se na luta por leis e políticas a favor da vida, do matrimônio e da família; (3) estimular e promover a formação integral para a convivência em família; (4) criar centros e redes que acompanhem e ajudem as famílias em situações difíceis; (5) estudar as causas das crises familiares para encara-las em todos os seus fatores; (6) oferecer formação permanente e qualificada aos agentes da pastoral familiar; (7) acompanhar com cuidado e compaixão os casais que vivem em situação canônica irregular (cf. Aparecida n° 437).
Mas jamais poderá estar fora do horizonte da paróquia e da comunidade o compromisso com a missão ad gentes, pois, como discípulos e missionários, desejamos que a influência do Evangelho de Jesus Cristo chegue aos confins da terra e precisamos estar prontos a “dar a partir de nossa pobreza e a partir da alegria de nossa fé” (cf. Aparecida n° 379). Os interlocutores dessa missão não são apenas os povos não cristãos e as terras distantes, mas também os campos social e cultural dos quais participamos (cf. Aparecida n° 375). E isso pede que cresçamos e amadureçamos como discípulos missionários sem fronteiras, dispostos a fazer a travessia para a “outra margem”. O Papa Francisco lembra que a ação missionária é o paradigma de todo o agir eclesial, e isso supõe uma perspectiva de êxodo, de saída da própria comodidade para alcançar todas as periferias (cf. Evangelii Gaudium n° 15 e 20).

Itacir Brassiani msf

Curso de missiologia (Passo Fundo - 9)

Paroquia: breve história de uma instituição bimilenar
Inicialmente, nos primeiros séculos, os cristãos viviam como forasteiros, dispersos e imersos nas brechas da sociedade organizada a partir das tradições orientais e dos esquemas impostos pelo Império romano. Esses grupos de cristãos não-cidadãos foram denominados “paróquia”, palavra que significava “casa dos que não tem casa”. Eram grupos do Caminho, reunidos em torno da memória de Jesus de Nazaré.
A partir do terceiro século, o cristianismo vai sendo paulatinamente tolerado e promovido pelo Império romano. Com isso, vai também assimilando suas estruturas e formas organizativas. Então surge e se fortalece uma certa distinção entre clero (diáconos, padres e bispos) e povo. Surgem também as igrejas centrais (matrizes) e as dioceses.
É durante o quarto e quinto séculos que surge e se fortalece a paróquia como estrutura. É a época de construção de grandes templos, que passam a receber o nome de “igrejas”, palavra antes aplicada à comunidade dos discípulos e discípulas. Com o início da evangelização no meio rural, a paróquia é repensada e adaptada à nova situação.
A partir de então, a paróquia pode ser descrita como a comunidade de cristãos de determinada localidade, tendo à frente um padre que, como delegado e representante do Bispo, forma e controla os fiéis em seu nome. Com o aumento da posse de bens, as paróquias passam a ser cobiçadas, e são objeto de redobrada atenção dos Bispos. Bispos e padres passam a ser mais administradores e sacerdotes que pastores e missionários.
Durante o período do feudalismo, as paróquias são controladas pelos senhores feudais, que, então, passam a ser senhores da terra, do povo e das paróquias. A partir do século XII, a paróquia assume ares de cartório, e é procurada basicamente por quem necessita de algum documento. Isso a esvaziou quase que totalmente do seu sentido de comunidade eclesial...
Nos séculos XIV e XV, os bispos se concentraram nos palácios episcopais, e as paróquias se tornam uma espécie de propriedade pessoal dos párocos, que nela fazem o que bem entendem. Por causa dos bens que acumulam, as paróquias passam a ser objeto de ambição por parte dos padres, e a vida cristã ou paroquial consiste basicamente nos sacramentos, festas e procissões, além das romarias aos grandes santuários.
O Concílio de Trento (1545-1563) se propôs a reformar a paróquia, determinando que os bispos definissem claramente seus territórios e as visitassem frequentemente. Mas isso acabou conferindo ainda mais poder e autonomia aos párocos, e os leigos foram excluídos de vez. Os padres eram tudo, e os leigos não eram nada!
Nos séculos XVIII e XIX, surgem várias obras paroquiais, e os párocos se tornam basicamente administradores dessas obras. Não obstante algumas tentativas de reforma do sistema paroquial, o século XX viu a paróquia se tornar cada vez mais seca e sem sentido. Visivelmente, eram estruturas de outro tempo...
Veio o Concílio Vaticano II, que provocou uma reviravolta nos rumos da Igreja, particularmente da paróquia. Aos poucos, as capelas foram se transfigurando em comunidades. A Conferência de Medellín é perpassada pela ideia de comunidade, e Puebla lhe dá plena cidadania. Santo Domingo trabalha com a ideia de paróquia como comunhão orgânica e missionária de comunidades e grupos.

Itacir Brassiani msf

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

ANO A – QUARTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 29.01.2017

A felicidade do Reino de Deus é profunda e verdadeira!

No quarto capítulo do seu evangelho, Mateus diz que Jesus percorria a Galileia e ensinava nas sinagogas. No início do quinto capítulo, proposto para nossa meditação neste domingo, apresenta-nos um resumo da mensagem que ele anunciava.  Numa rápida introdução, Mateus diz que “vendo as multidões, Jesus subiu à montanha e sentou-se.” A pregação de Jesus não brota da necessidade de ensinar verdades abstratas ou condenar erros morais, mas da contemplação compassiva do rosto de um povo cansado e abatido que o procura como última esperança.
Mateus diz que Jesus ensina sentado. E o faz não porque esteja cansado, mas porque assume a postura de um mestre que deseja propor um caminho de sabedoria. Ele senta no chão, e não numa cátedra! Seu objetivo é ajudar o grupo que se forma ao seu redor a ajustar o olhar e compreender em que consiste o sentido da vida, ou como é possível alcançar a felicidade que todos procuram. O movimento de subir a montanha é mais existencial e espiritual que geográfico: é um percurso ético, um caminho de amadurecimento humano e espiritual.
Jesus propõe a quem deseja segui-lo um caminho que leva a uma felicidade tão profunda quanto subversiva. Enquanto ensina, seu rosto é sério e, ao mesmo tempo, alegre: sério porque anuncia o que há de mais fundamental na vida humana; alegre porque está falando da felicidade que todos procuram, de um novo modo de avaliar e conduzir a vida. E não é fora de propósito imaginar que tanto os discípulos quanto o povo em geral arregalam os olhos, surpreendidos pelo ensino inusitado que brota do coração e dos lábios daquele jovem galileu que de repente desponta como mestre.
De fato, a expressão que Jesus usa repetidamente tem pouco a ver com um contentamento superficial ou com o sentimento de bem-estar. ‘Beatos,’ ‘bem-aventurados’ ou ‘felizes’ são expressões ligadas a uma alegria tão profunda quanto contagiante, uma alegria que brota da experiência da plena realização de todas as necessidades e sonhos que fazem alguém viver. Jesus não fala de emoções, sentimentos ou qualidades morais individuais, mas do favor e da benevolência gratuita, libertadora e generosa de Deus para com seus filhos e filhas, essa experiência de tocar com as mãos os próprios desejos e sonhos.
Não pode passar despercebido o caráter inusitado e subversivo da felicidade suscitada pela chegada do Reino de Deus e pregada por Jesus. Ele nos ensina e quer nos fazer crer que a felicidade verdadeira pertence às pessoas pobres e arrasadas, tanto física como espiritualmente; às pessoas que lamentam a força destrutiva dos poderes imperiais; àquelas que não recorrem à violência reativa, mas também não renunciam à esperança; às criaturas que não se deixam embebedar pelas migalhas de bem-estar oferecidas a poucos pelos dominadores de plantão.
E Jesus não termina aqui a lista dos grupos de pessoas que recebem como presente a felicidade que todos procuram. Beatas e felizes são também as pessoas que centram sua vida no atendimento das necessidades dos fracos, que não têm duas caras ou duas palavras, que semeiam fartura de vida e de pão nas brechas de um poder que promove a rapina, que são menosprezadas ou perseguidas por causa deste jeito livre e subversivo de viver. Convenhamos: não é bem esse o conteúdo e os traços concretos da felicidade que a maioria das pessoas estão buscando...
É essa boa notícia tão concreta quanto surpreendente que Paulo tem presente ao escrever à comunidade de Corinto. Relendo a história do povo judeu e do evento Jesus Cristo, o apostolo de Tarso insiste que, na sua relação com a humanidade, Deus não leva em conta o conhecimento, o poder e a nobreza. Ele escolhe o que costumamos considerar loucura, fraqueza e desprestígio para envergonhar os sábios, abalar os fortes e confundir quem pensa ser tudo. Assim, naquilo que é, faz e ensina, Jesus é para nós justiça, sabedoria santificação e libertação que vem de Deus.
Jesus de Nazaré, mestre feliz e venturoso peregrino em nossas humanas estradas! Inspirados no teu sermão e na vida e nas palavras de Gandhi, cujo aniversario de martírio recordamos amanhã, te pedimos: Ajuda-nos a dizer a verdade diante dos fortes e a não mentir para obter o aplauso dos fracos. Não deixes que nos embriaguemos com o êxito ou nos desesperemos com o fracasso. Faze-nos compreender que a tolerância é sinal de força, e que o desejo de vingança é sinal de debilidade. Mas ajuda-nos também a não deixar o dinheiro matar nossa fome de felicidade e o poder embaralhar nossa razão, o êxito matar a humildade, e a humildade obscurecer a nossa dignidade. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profecia de Sofonias 3,12-13 * Salmo 145 (146) * 1ª. Carta aos Coríntios 1,26-31 * Evang. Mateus 5,1-12)

Curso de Missiologia (Passo Fundo - 8)

O Evangelho é a comunhão e a Comunidade!
As comunidades cristãs nascem como consequência graciosa e quase natural do encontro pessoal com Jesus Cristo e seu Evangelho. Para a primeira geração pós apostólica, o encontro com o Evangelho do Reino de Deus se dava no encontro com a comunidade dos discípulos missionários que se reuniam e atuavam no mundo como sal e fermento do Reino de Deus.
Essas comunidades de homens e mulheres que viviam relações paritárias e faziam memória viva de Jesus de Nazaré, que abriam suas portas aos grupos e pessoas excluídas do sistema judaico e da vida social no império romano, eram elas mesmas uma expressão da Boa Notícia do Reino de Deus. À pergunta se o Reino de Deus havia chegado de fato, essas comunidades podiam responder, parafraseando Jesus: “Venham e vejam”.
Num mundo rigidamente hierarquizado e violentamente excludente, as comunidades cristãs eram sementes de novidade e de vida, e brilhavam como uma cidade construída sobre a montanha. Quem nelas entrava, vivia uma alegria profunda e espiritual, traduzida como novo nascimento. Quem não era povo, passa a fazer parte; quem não tinha família, agora pertencia à família de Deus; quem era excluído da cidadania, agora era cidadão do Reino de Deus!
A comunidade de discípulos missionários é o primeiro e mais importante fruto do Espírito Santo, e possibilita o encontro vivo com Jesus crucificado e ressuscitado. É uma comunidade messiânica, porque nela todos recebem os dons do Espírito e assumem diferentes serviços e ministérios como pessoas adultas, capazes e criativas. Estes diferentes dons estão ordenados à construção de uma comunidade de homens e mulheres iguais, fiel à memória de Jesus de Nazaré, herdeira da sua missão.
A partir desse núcleo indentitário, as comunidades de discípulos missionários conhecerão diferentes formas e estruturas organizativas, de acordo com as circunstâncias históricas e culturais, oscilando entre a fidelidade radical ao modelo libertário de Jesus Cristo e a adaptação às características da sociedade e da cultura nas quais se inserirá. É possível perceber um crescente esquecimento da missão, esquecimento que cresce de mãos dadas com um rígido e perigoso enrijecimento institucional e com uma danosa hierarquização de papéis, funções e ministérios.

Itacir Brassiani msf

Curso de Missiologia (Passo Fundo - 7)

No início e no horizonte era a missão!
A missão é de Deus, pertence a ele, que é quem tem a iniciativa, define os interlocutores, os tempos e as urgências. É ele que vem, é ele que instaura seu reino, é ele que, desde sempre, está a criar novos céus e nova terra.
Noutros tempos, ele enviou seus patriarcas, profetas e libertadores. Na plenitude dos tempos, enviou seu Filho, nascido de mulher e sob a lei, para ir ao encontro dos que estavam perdidos, para se aproximar dos pecadores, para anunciar e lançar seu reino de vida plena.
Tendo concluído sua missão de enviado do Pai e estando ciente de que sua obra recriadora não tem fim, em nome do Pai enviou o Espírito Santo ao seus discípulos e discípulas, para que continuassem sua missão de modo criativo e fiel, em todos os âmbitos e por todos os tempos.
O Espírito Santo continua no tempo e no espaço a missão do Pai e do Filho, suscitando e sustentando homens e mulheres que, a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo, se congregam em comunidades de fé, de culto e de caridade.
No interior da Igreja, assembleia de pessoas chamadas e enviadas, existem diferentes carismas e serviços, mas todos eles, de alguma forma, se ordenam à missão de anunciar, celebrar e construir o reino de Deus. O Reino de Deus abre caminhos de vida plena a todos, começando pela promoção dos últimos da pirâmide social.
Os Missionários da Sagrada Família constituem um grupo de cristãos consagrados que, reunidos em torno de um carisma e uma espiritualidade, se consagram a Deus e recebem da Igreja o reconhecimento e o mandato explícito de colaborar com o cumprimento da sua tarefa missionária. Esta é nossa razão de ser e nossa contribuição especifica à Igreja!
Isso antecede a organização da Igreja em paróquias, comunidades, ministérios especiais e setores pastorais e administrativos, e deve inspirar, orientar e sustentar tudo o que a Igreja prega, faz, e celebra, assim como sua organização concreta.

Itacir Brassiani msf

Curso de Missiologia (Passo Fundo - 6)

A necessária conversão missionaria dos padres

Gostaria de iniciar essa reflexão sobre as comunidades e paroquias missionarias com um pensamento programático do Papa Francisco: “A missão não pode ser apenas uma parte da nossa vida, um ornamento que podemos dispensar, um simples apêndice ou um momento entre tantos outros. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não quero me destruir. Somos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar” (Evangelii Gaudium n° 273).  
Como se depreende desse pensamento, missão é coisa séria, sempre, para todos os cristãos! Mas alguns coirmãos que trabalharam ou trabalham nas paróquias já experimentaram pessoalmente a tensão entre a perspectiva missionária do nosso carisma e as exigências da pastoral convencional. Alguns chegam a pensar que, no trabalho paroquial, somos forçados a esquecer o carisma específico e a atuar como padres diocesanos. Se fosse de fato assim, deveríamos simplesmente abandonar as paróquias para garantir a fidelidade à vocação que publicamente professamos e à missão que a Igreja reconhece e nos confia.
Por trás dessa tensão está uma velha e limitada compreensão do ministério presbiteral, que o próprio Concilio Vaticano II superou, há mais de 50 anos. Efetivamente, o Concílio sublinhou a responsabilidade missionária dos presbíteros: como representantes de Cristo e cooperadores dos bispos na tríplice missão da Igreja, eles devem dedicar-se inteiramente à missão e ter consciencia de quanto falta ainda para se chegar à plenitude do corpo místico de Cristo e de quanto se deve ainda fazer nesse sentido. Seu trabalho pastoral deve ser pensado de forma que seja útil ao anúncio do Evangelho inclusive entre os não-cristãos (cf. Ad Gentes, n° 39).
No documento sobre a missão presbiteral, o Concílio lembra que aos presbíteros se pede uma atenção particular aos pobres e fracos, “com os quais o próprio Senhor se mostrou unido, e cuja evangelização é apresentada como sinal da obra messiânica”. Sua missão não se limita ao cuidado dos fiéis que pertencem à comunidade, mas estende-se à formação da comunidade cristã, a qual “não deve fomentar só o cuidado pelos seus fiéis mas deve também, imbuída de zelo missionário, preparar a todos o caminho para Cristo” (Presbytorum ordinis, n° 6).
A propósito, São João Paulo II escreveu que os presbíteros “são chamados a partilhar a solicitude pela missão, devem ter um coração e uma mentalidade missionária, a estar abertos às necessidades da Igreja e do mundo e atentos aos mais distantes e, sobretudo, aos grupos não cristãos do próprio meio” (Redemptoris Missio, n° 67). Refletindo sobre a formação presbiteral, o mesmo pontífice afirma que “o presbítero deve ser, no relacionamento com todas as pessoas, o homem da missão e do diálogo” (Pastores Dabo Vobis, n° 13).
É por isso que a Conferência de Aparecida diz, sem rodeios e de forma programática: “A renovação da paróquia exige atitudes novas dos párocos e dos sacerdotes que estão a serviço dela. A primeira exigência é que o pároco seja autêntico discípulos de Jesus Cristo, porque só um sacerdote apaixonado pelo Senhor pode renovar uma paróquia. Mas, ao mesmo tempo, deve ser ardoroso missionário que vive em constante desejo de buscar os afastados e não se contenta com a simples administração” (Aparecida n° 201). Supõe também que ele seja promotor e animador da diversidade missionaria dos membros da comunidade.
Itacir Brassiani msf

Curso de Missiologia (Passo Fundo - 5)

A missão na família e a partir da família
A manhã da quarta-feira, dia 25 de janeiro, os participantes do Curso de Aperfeiçoamento da Açao Missionaria teve a oportunidade de acolher a intervenção do professor Bertilo Brod, que conduziu a reflexão sobre a missão na família e a partir da família. E ele começou sublinhando que a díade teoria missiológica e prática missionária é uma constante na vida apostólica da Igreja: a primeira se refere à missio Dei e a segunda à missio ecclesiae. E destaca que isso é evidente no livro do Pe. Ferdinand Nolte msf, Anais das missões, publicado pelos MSF e por ele traduzido ao português.
Visão panorâmica sobre as famílias contemporâneas
Para discorrer sobre a família contemporânea e suas mudanças antropológicas e culturais, o professor Bertilo tomou como base o panorama apresentado pelo Papa Francisco na Amoris Laetitia. O Papa começa falando do perigo do individualismo, que ronda e ameaça o ideal da família. Os membros tendem a viver como como ilhas. E isso faz parte do processo de identificação e pode levar à personalização, que é antídoto à massificação, mas também a alguns riscos derivados, como o narcisismo e a perda da privacidade.
O Papa Francisco pede também para que façamos uma autocrítica nas concepções predominantes de família, pois no ensino e na prática pastoral da Igreja ainda predomina a idealização abstrata da família e do matrimonio, com ênfase exagerada na finalidade procriativa e a consequente relativização da finalidade unitiva e da realização pessoal.
Um outro fenômeno sociocultural que atinge a família é a tendência ao provisório e ao descartável. Vivemos a impressão de que podemos, a qualquer momento e até por motivos banais, conectar, desconectar e bloquear o amor. O consumismo é outra ameaça sutil mas extremamente danosa à família. E há ainda, especialmente entre as últimas gerações, a visão romântica e a visão burocrática do matrimonio e da família.
E há o terrível mal da pornografia, da prostituição, da banalização e da violência no interior da família. Mas não é possível passar ao largo da tendência do enfraquecimento da fé e da prática religiosa, o que leva a uma espécie de solidão. Migrações, desenraizamento, falta de moradia, diminuição do número de filhos, acolhida de membros deficientes e idosos são preocupações muito sérias.
Iluminação bíblico-teológica
Depois desse breve panorama das mudanças culturais e antropológicas que vivem as famílias, o assessor ofereceu breves e instigantes notas sou luzes de caráter bíblico e teológico. Começou perguntando: Qual é o desígnio de Deus em relação à família, de Abraão às comunidades apostólicas? E qual é a essência dessa revelação?
É importante perceber que na época histórica de Abraão, a preocupação primaria da família era com a posteridade, e não propriamente com os filhos. A preocupação da família patriarcal é com a descendência e com o levirato. A esposa não é companheira íntima de vida, e o centro é o pátrio poder do pai ou o patriarca.
No período histórico do êxodo, a família é vista como lugar da revelação de Deus, e Israel começa a se reconhecer como povo de Deus, em cujo seio existem tribos, clãs e famílias. O deserto é o lugar onde Deus pode falar ao coração, também da família.
No período monárquico e a partir do século VI as exigências do amor começam a emergir com força no interior da família judaica. Progressivamente, a sedentarização leva aos vínculos interpessoais, e aparece o ideal do amor unitivo, que oferece horizonte e base à vida em família.
No tempo do pós-exílio, a santidade é o traço fundamental de Deus, e a família é convocada a ser sinal vivo dessa santidade. A família chega a aceitar o martírio para defender e testemunhar a santidade de Deus, como testemunha a família dos Macabeus.
Deus se deixa compreender no horizonte da semântica familiar!
Jesus verte sua mensagem numa linguagem conjugal e familiar. No Novo Testamento aparecem referências a quatro famílias: a família de Zacarias e Ana, a família de José e Maria, a família de Marcos e a família do Timóteo. Mas o mais significativo é que o desígnio de Deus é expresso por Jesus no horizonte de uma semântica familiar, e isso é absolutamente relevante!
No plano de Deus, a vida natural aparece como espaço de educação da relação dos cristãos entre si (fraternidade) e da relação com Deus (obediência e filialidade). Assim, a ideia de família, em sua historicidade e carnalidade, é indispensável na compreensão do próprio mistério de Deus.
Caminhos missionários da família
Infelizmente o tempo não permitiu a apresentação completa da última parte da exposição. Mas o professor Bertilo fez questão de sublinhar que o amor e compromisso social unifica e concretiza o amor familiar, livrando-o do risco do narcisismo familiar, como assevera o Papa Francisco. A família existe para amar e ensinar a amar. Também a família precisa estar sempre em saída.
A expressão concreta desse amor que se faz missão depende das particularidades pessoais. Em todos os casos, a vida cristã precisa encontrar carne no seio familiar, nas relações próximas, para depois se ampliar, em círculos complementares, num horizonte sempre mais amplo. Isso passa pelo âmbito eclesial, mas não termina nele, insistiu o assessor.

Itacir Brassiani msf