quinta-feira, 30 de março de 2017

O Evangelho dominical - 02-04.2017



ASSIM QUERO MORRER EU

Jesus nunca oculta o Seu carinho para com os três irmãos que vivem em Betânia. Seguramente são os que o acolhem na sua casa sempre que sobe a Jerusalém. Um dia, Jesus recebe um recado: «O nosso irmão Lázaro, o teu amigo, está doente». Ao fim de pouco tempo Jesus encaminha-se para a pequena aldeia.
Quando se apresenta, Lázaro já morreu. Ao vê-lo chegar, Maria, a irmã mais jovem, põe-se a chorar. Ninguém a pode consolar. Ao ver chorar a sua amiga e também aos judeus que a acompanham, Jesus não pode conter-se. Também Ele «se põe a chorar» junto deles. As pessoas comentam: «Como o queria!».
Jesus não chora só pela morte de um amigo muito querido. Quebra-se a alma ao sentir a impotência de todos ante a morte. Todos levamos no mais íntimo do nosso ser um desejo insaciável de viver. Porque temos de morrer? Porque a vida não é mais ditosa, mais longa, mais segura, mais vida?
O homem de hoje, como o de todas as épocas, leva cravada no seu coração a pregunta mais inquietante e mais difícil de responder: que vai ser de todos e cada um de nós? É inútil tratar de nos enganarmos. Que podemos fazer ante a morte? Revoltar-nos? Deprimir-nos?
Sem dúvida, a reação mais generalizada é esquecer-nos e «seguir em frente». Mas, não está o ser humano chamado a viver a sua vida e a viver-se a si mesmo com lucidez e responsabilidade? Só próximo do nosso fim, havemos de nos acercar de forma inconsciente e irresponsável, sem tomar qualquer posição?
Ante o mistério último da morte não é possível apelar a dogmas científicos nem religiosos. Não nos podemos guiar mais para lá desta vida. Mais honrada parece a postura do escultor Eduardo Chillida, a quem em certa ocasião lhe escutei dizer: «Da morte, a razão diz-me que é definitiva. Da razão, a razão diz-me que é limitada».
Os cristãos não sabemos da outra vida mais que os outros. Também nós devemos aproximar-nos com humildade ao acontecimento obscuro da nossa morte. Mas fazemos com uma confiança radical na bondade do Mistério de Deus que vislumbramos em Jesus. Esse Jesus a quem sem o termos visto, amamos, e a quem, sem o ver ainda, damos a nossa confiança.
Esta confiança não pode ser entendida a partir de fora. Só pode ser vivida por quem respondeu, com fé simples, às palavras de Jesus: «Eu sou a ressurreição e a vida. Acreditas nisto?» Recentemente, Hans Küng, o teólogo católico mais crítico do século XX, próximo já do seu fim, disse que, para ele, morrer é «descansar no mistério da misericórdia de Deus». Assim quero morrer eu.
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 29 de março de 2017

ANO A – QUINTO DOMINGO DA QUARESMA – 02.04.2017

A compaixão é a liberdade que vence a indiferença!

Neste último domingo da quaresma, somos convidados a avançar na descoberta do mistério de uma vida divinamente humana que se revela em Jesus de Nazaré. E o faremos tomando consciência das nossas fragilidades, possibilidades e esperanças. Sabemos que a vida é como a flor do campo, tão bela quanto vulnerável. Desejamo-la ardentemente e a escolhemos resolutamente, tanto para nós mesmos como para o nosso semelhante, mesmo sabendo das ameaças às quais ela é submetida.
Com uma certa frequência, a humana experiência de fracasso e de frustração se faz refrão acusatório contra Deus e contra o destino, como na voz de Marta e de Maria. Elas têm a impressão de que Jesus havia feito pouco caso quando lhe avisaram: “Aquele que amas está doente”. Muitas vezes temos esta mesma sensação diante de doenças incuráveis, de acidentes trágicos, de mortes estúpidas, de catástrofes naturais, de atentados contra os direitos humanos e sociais. Na revolta gerada no ventre dor, chegamos a acusar Deus, pois, nessas circunstancias, ele nos parece ausente, desinteressado, cínico e sem coração.
Mas sabemos que “Jesus amava Marta, a irmã dela e Lázaro”, assim como ama apaixonadamente cada um e cada uma de nós. Somos sua família, seus irmãos e irmãs, seus amigos e amigas, ainda que ele não se deixe prender aos nossos desejos e interesses nem se submeta às urgências do nosso calendário. Jesus sempre chega, no tempo que lhe parece oportuno, para nos ajudar a mudar as coisas, e isso supõe e, ao mesmo tempo, desperta a fé, esta abertura radical para transcender o óbvio, o esperado, o devido.
Em Betânia, Jesus encontra suas amigas em pranto, tristes pela perda do irmão e pela sua ausência injustificável. Mas ele nono é nem pse comove não é indiferente, e participa da dor das amigas, como o faz também hoje diante de todos aqueles que choram, impotentes e inconsoláveis. “E Jesus começou a chorar...” É mediante sua compaixão que ele nos faz experimentar seu amor. “Vejam como ele o amava...”, diz o povo. Eis aqui a porta que abre a possibilidade de mudança: o amor e a compaixão, tão divinos e tão humanos.
Acreditar em Jesus Cristo não significa simplesmente apostar no poder de Deus, mas confiar na força do seu amor. Da parte de Jesus, o amor que se compadece; da nossa parte, a confiança que abre horizontes e possibilidades. Da fé e da abertura ao amor compassivo e solidário brotam as novas possibilidades de Vida e a força da ressurreição. “Se você acreditar, verá a glória de Deus”. Marta e Maria provam a profunda e humana identificação de Jesus com suas dores. Esta é a glória de Deus: seu amor pela humanidade. A glória de Deus é o ser humano vivo, dizia Santo Irineu.
Jesus convida Maria a ultrapassar a dor que às vezes obscurece o olhar da fé. E Lázaro, no escuro da morte e no fundo da sepultura, também é interpelado: “Vem para fora!” Este grito de Jesus, pronunciado como oração, chama à vida, a um novo olhar e um novo agir. É apelo a sair dos nossos interesses e projetos, geralmente nascidos e nutridos no ventre do medo e da indiferença. É um convite a sair da prisão dos sistemas de poder e de morte e a empreender um caminho, a fazer a passagem-páscoa.
Nesta saída, como em toda travessia, nossos passos serão sempre necessariamente inseguros. Pertencemos à história e temos muitas amarras. Mas escutamos, de formas diversas, uma ordem: “Desamarrem e deixem que ele ande...” A fé em Jesus Cristo não é doutrina que fecha, peso que oprime, laço que amarra. Oxalá todas as Igrejas aprendam esta lição! Como diz Paulo, crer significa deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus e superar a busca compulsiva dos interesses egoístas.
Marta e Maria acreditaram e por isso viram a glória de Deus, patente e potente na compaixão que resgata a vida. E muitos judeus que “viram o que Jesus fez, acreditaram nele”. Mas o que é que eles realmente viram? Contemplaram e testemunharam a profunda humanidade de Deus e este incrível dinamismo que o aproxima das suas criaturas machucadas e oprimidas, não se importando se cheiram mal. Viram isso na relação de Jesus com Lázaro, com Maria e com Marta, e por isso acreditaram!
Senhor, as trevas nos envolvem, mas em ti há luz. Sentimo-nos sozinhos, mas tu não nos abandonas. Sentimo-nos desfalecer, mas em ti encontramos socorro. Estamos inquietos, mas em ti encontramos a paz. A amargura nos devora, mas em ti encontramos a paciência. Não compreendemos teus caminhos, mas tu sabes qual é a boa estrada. Acolhe-nos como membros vivos do teu corpo, e assim te ajudaremos a chamar para fora, a resgatar os homens e mulheres, e a respeitar os biomas do Brasil. Assim seja! Amém! (Inspirada na oração que Dietrich Bonhoefer, martirizado pelos nazistas em 9 de abril de 1945, rezou na prisão).

                                                                                  Itacir Brassiani msf
(Profecia de Ezequiel 37,12-14 * Salmo 129 (130) * Carta de Paulo aos Romanos 8,8-11 * Evangelho de São João 11,1-45)

quinta-feira, 23 de março de 2017

O Evangelho dominical - 26.03.2017

PARA EXCLUÍDOS

É cego de nascimento. Nem ele nem os seus pais têm qualquer culpa, mas o seu destino ficará marcado para sempre. As pessoas olham-no como um pecador castigado por Deus. Os discípulos de Jesus perguntam-lhe se o pecado é do cego ou dos seus pais.
Jesus olha-o de forma diferente. Desde que o viu só pensa em resgatá-lo daquela vida de mendigo, desprezado por todos como pecador. Ele sente-se chamado por Deus a defender, acolher e curar precisamente os que vivem excluídos e humilhados.
Depois de uma cura trabalhosa em que ele também teve que colaborar com Jesus, o cego descobre pela primeira vez a luz. O encontro com Jesus mudou a sua vida. Por fim poderá desfrutar de uma vida digna, sem temor a envergonhar-se perante ninguém.
Engana-se. Os dirigentes religiosos sentem-se obrigados a controlar a pureza da religião. Eles sabem quem não é pecador e quem está em pecado. Eles decidirão se ele pode ser aceito na comunidade religiosa. Por isso o expulsam.
O mendigo curado confessa abertamente que foi Jesus quem se aproximou e o curou, mas os fariseus rejeitam-no irritados: «Nós sabemos que esse homem é um pecador». O homem insiste em defender Jesus: é um profeta, vem de Deus. Os fariseus não o podem aguentar: «Também pretendes dar-nos lições a nós, tu que estás envolto em pecado desde que nasceste?».
O evangelista diz que, «quando Jesus ouve que o tinham expulso, foi encontrar-se com ele». O diálogo é breve. Quando Jesus lhe pregunta se acredita no Messias, o expulso diz: «E quem é, Senhor, para que possa acreditar nele?» Jesus responde-lhe comovido: «Não está longe de ti. Já o viste. É aquele que está a falar contigo». O mendigo diz-lhe: «Creio, Senhor!»
Assim é Jesus. Ele vem sempre ao encontro daqueles que não são acolhidos oficialmente pela religião. Não abandona a quem o procura e o ama, mesmo que sejam excluídos das comunidades e instituições religiosas. Os que não têm lugar nas nossas igrejas têm um lugar privilegiado no Seu coração.
Quem levará hoje esta mensagem de Jesus até esses coletivos que, em qualquer momento, escutam condenações públicas injustas de dirigentes religiosos cegos; que se aproximam das celebrações cristãs com temor de serem reconhecidos; que não podem comungar com paz nas nossas eucaristias; que se vêm obrigados a viver a sua fé em Jesus no silêncio do seu coração, quase de forma secreta e clandestina?
Amigos e amigas desconhecidos, não o esqueceis: quando os cristãos os rejeitam, Jesus os está acolhendo.
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 22 de março de 2017

ANO A – QUARTO DOMINGO DA QUARESMA – 26.03.2017

Quem segue Jesus, vê tudo com um novo olhar!
Como crianças que se deixam educar na fé, no caminho quaresmal vamos, pouco a pouco, redescobrindo Jesus como pão da vida, como filho amado, como água viva e, neste domingo, como luz do mundo. Jesus Cristo é luz que faz resplandecer a verdade e a beleza de todas as coisas, particularmente dos homens e mulheres. Ele nos lembra nosso parentesco com o pó e com o barro da terra e, assim, abre nossos olhos para que acreditemos nele, olhemos o mundo na sua perspectiva e nos engajemos na sua obra de libertar os oprimidos e abrir os olhos daqueles que não querem ver a destruição da nossa “casa comum”.
João nos coloca, com Jesus, diante de um judeu que nasceu cego e pobre e deve mendigar para sobreviver. Ao mal físico da cegueira se acrescenta a chaga social da pobreza e o mal espiritual de quem pensa que o mendigo cego ou sua família são os culpados por tudo isso. Parece que os próprios discípulos pensam dessa maneira. E é malvisto e suspeito quem ousa pensar diferente, mudar esta condição considerada natural e atuar contra os costumes e leis naturais que cimentam esta ordem social! “Este homem não pode vir de Deus... Nós sabemos que este homem é um pecador”, dizem de Jesus.
O olhar de Deus é outro. Seus caminhos são alternativos. Este olhar diverso e inverso, próprio de Deus e daqueles que nele acreditam, se mostra de forma claríssima em Jesus de Nazaré. Para ele, nem o cego mendigo nem sua pobre família são culpados de qualquer coisa. Jesus não explica as causas desta sua cegueira, mas, diante dela, chama todos e cada um a tomar uma posição responsável. “Temos que realizar as obras daquele que me enviou...” Estamos diante de uma pessoa necessitada que pede uma ação solidária, e não diante de alguém que a ser simplesmente julgado. E não há tempo a esperar!
Em Jesus de Nazaré temos a Luz que ajuda a discernir e compreender a realidade assim como ela é. “Enquanto estou no mundo, eu sou a luz do mundo...” Trata-se de ver a ausência dos empobrecidos e excluídos e chamá-los a ocupar os primeiros lugares, de recuperar a visão daqueles que não conseguem ver e de devolver-lhes a cidadania. Jesus cura o cego, justifica sua família e desmascara a culpa da elite religiosa. Assim, questiona a ordem estabelecida e quem a sustenta. Enquanto as elites se comprazem em culpar as vítimas e inocentar os algozes, Jesus desmascara suas cínicas mentiras.
Como discípulos e discípulas de Jesus, precisamos exercitar um olhar que transcende as aparências, agir de modo a derrubar os muros construídos pela exclusão e mantidos pela indiferença globalizada, vencer o medo que acomoda e nos leva a duvidar de que existam pessoas e grupos excluídos. “Não acreditaram que ele tinha sido cego...”  Toda ideologia, instituição ou sistema fechado em si mesmo, com pretensões de totalidade, seja ele partido, nação, empresa, Igreja ou academia, tem vocação totalitária e, portanto, cai na tentação das práticas de indiferença e de exclusão.
Paulo pede que nos comportemos como filhos da luz, o que significa concretamente ser bom com todos, reconhecer e afirmar a dignidade dos sem dignidade, lutar pela justiça, reestabelecer a verdade. Mas o ponto de partida é despertar da tranquilidade do nosso sono e praticar a necessária autocrítica: “Será que também somos cegos?” E os passos seguintes levam a perseverar no caminho de Jesus de Nazaré, a pedir que ele abra nossos olhos, a assumir seu ponto de vista, a colaborar incansável e generosamente com sua ação libertadora. E isso sem se deixar enganar com a aparência ou a estatura dos grandes...
Mas este é um caminho sempre cercado de ameaças e incompreensões. O cego e mendigo que recuperou a capacidade de ver e discutir com as autoridades encurraladas enfrentou sentenças ferozes e condenações inapeláveis: “Você nasceu inteirinho no pecado e quer nos ensinar?” E o próprio Jesus, por ousar retirar o véu dos olhos do cego e levantar o manto ideológico da exclusão que o vitimava, não tardou a ser carimbado como pecador. Não é novidade que também muitos pastores e profetas de hoje sejam demonizados e execrados pela mídia comercial.
Jesus, humano e divino profeta de Nazaré, luz do nosso olhar e razão do nosso caminhar: Tu nos ensinas que abrir os olhos e ver as coisas na tua perspectiva é um caminho que nunca termina de começar. Ajuda-nos a reconhecer que tu és a Luz que revela a inegociável dignidade das pessoas que, na ideologia que nos tenta, são transformadas em mercadoria ou reduzidas a consumidores. Guia-nos a uma vida realmente sábia, como a da mulher da Samaria e a do anônimo mendigo. E ensina-nos a encontrar no barro da terra a familiaridade que nos une a todos os seres e restitui a vida tanto aos humanos como às demais criaturas, para que possamos valorizar e preservar a beleza e a integridade os biomas brasileiros. Assim seja! Amém!

                                                                                                                                                                  Itacir Brassiani msf
(Primeiro Livro de Samuel 16,6-13 * Salmo 22 (23) * Carta de Paulo aos Efésios 5,5,8-14 * Evangelho de São João 9,1-41)

sexta-feira, 17 de março de 2017

O Evangelho dominical - 19.03.2017

CONFORTÁVEL COM DEUS

A cena é cativante. Cansado do caminho, Jesus senta-se junto ao manancial de Jacob. De imediato chega uma mulher para tirar água. Pertence a uma povoação semi-pagão, desprezado pelos judeus. Com toda a espontaneidade, Jesus inicia o diálogo com ela. Não sabe olhar para ninguém com desprezo, mas sim com grande ternura. «Mulher, dá-me de beber».
A mulher fica surpreendida. Como se atreve a entrar em contato com uma samaritana? Como se rebaixa a falar com uma mulher desconhecida? As palavras de Jesus surpreendem-na todavia mais: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te pede de beber, sem dúvida tu mesma me pedirias a mim, e Eu te daria água viva».
São muitas as pessoas que, ao longo destes anos, se têm afastado de Deus sem dar atenção ao que realmente estava a ocorrer no seu interior. Hoje Deus é-lhes um «ser estranho». Tudo o que está relacionado com Ele parece-lhes vazio e sem sentido: um mundo infantil cada vez mais longínquo.
Entendo-os. Sei o que podem sentir. Também eu me fui afastando pouco a pouco daquele «Deus da minha infância» que despertava dentro de mim medos, desgosto e mal-estar. Provavelmente, sem Jesus nunca me teria encontrado com u Deus que hoje é para mim um Mistério de bondade: uma presença amigável e acolhedora em quem posso confiar sempre.
Nunca me atraiu a tarefa de verificar a minha fé com provas científicas: creio que é um erro tratar o mistério de Deus como se fosse um objeto de laboratório. Tampouco os dogmas religiosos me ajudaram a encontrar-me com Deus. Com simplicidade deixei-me conduzir por uma confiança em Jesus, que foi crescendo com os anos.
Não saberia dizer exatamente como se sustenta a mina fé no meio de uma crise religiosa que me sacode também a mim como a todos. Apenas diria que Jesus me trouxe a viver a fé em Deus de forma simples desde o fundo do meu ser. Se eu escuto, Deus não se cala. Se eu me abro, Ele não se fecha. Se eu me confio, Ele me acolhe. Se eu me entrego, Ele me sustem. Se eu me afundo, Ele me levanta.
Creio que a experiência primeira e mais importante é nos encontrarmos bem com Deus porque o percebemos como uma «presença salvadora». Quando uma pessoa sabe o que é viver bem com Deus, porque, apesar da nossa mediocridade, os nossos erros e egoísmos, Ele nos acolhe tal como somos, e nos impulsiona a enfrentarmos a vida com paz, dificilmente abandonará a fé.
Muitas pessoas estão hoje abandonando Deus antes de o ter conhecido. Se conhecessem a experiência de Deus que Jesus contagia, iriam procura-Lo. Se, acolhendo na sua vida Jesus, conheceriam o dom de Deus, não o abandonariam. Iriam sentir-se bem com Ele.
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 15 de março de 2017

ANO A – TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA – 19.03.2017

Adoremos a Deus em espírito e verdade, em ação e fidelidade!
No terceiro domingo da quaresma, somos convidados a descobrir o modo como se manifesta a presença de Jesus no meio de nós. Ele vem ao nosso encontro como pedinte e necessitado, desce às profundezas da condição humana, derruba os muros, relativiza as ideologias que separam e opõem, liberta das rotinas que causam dependência e desperta nossa sede de viver. O vida é dom de Deus, e não conhece limites nem fronteiras, diversamente do poço de Jacó, que cava divisões aparentemente insuperáveis.
No evangelho de hoje, João nos apresenta Jesus como sacramento vivo de um Deus que vem ao nosso encontro. Ele se aproxima cansado, sedento, necessitado, pedinte. O mesmo Deus que, na travessia do deserto, fez brotar água da rocha, aparece percorrendo nossas estradas e pedindo água. E assim o faz para suscitar uma profunda troca de dons, para ajudar-nos a descobrir nossas próprias sedes, nosso Desejo mais profundo: conhecê-lo e viver plenamente. “Dá-me desta Água Viva!”
Como aquela mulher da Samaria, frequentemente imaginamo-nos poderosos e entregamo-nos cegamente às regras e doutrinas, tradições e leis, e não esperamos nada de novo. Cavamos poços e inventamos muros que separam povos, religiões e culturas, e esquecemos nossa própria Sede, aquilo que nos falta. Fazemos de conta que as instituições que criamos nos bastam, e que fora delas não há vida possível e desejável. “Tu não tens balde e o poço é fundo... Como vais tirar esta água viva?”
Jesus aparece e entra na nossa vida para nos lembrar que as religiões e culturas, as tradições e leis não têm condições de, por si mesmas, saciar as mais profundas sedes humanas. A função da religião não é estancar, mas manter viva aquela Sede que dinamiza a vida do ser humano, que convida a trilhar caminhos não conhecidos, que faz descobrir novas possibilidades de organizar o mundo e a sociedade, que revela brechas alternativas de comunhão e solidariedade entre os povos.
Como a samaritana, nos também fazemos alianças e buscamos muletas – mais que cinco! – capazes de sustentar nossos interesses estreitos e egoístas: a pátria, a raça, a religião, a igreja, o partido, o livre mercado... Acreditamos cegamente que eles nos ajudam a crer de modo correto e a viver com segurança. “Os nossos pais adoraram Deus sobre este monte, mas vocês dizem que é em Jerusalém que se deve adorá-lo”, disse a mulher. Fora disso, no máximo, ensaiamos uma pobre oração pelos que sofrem...
Precisamos compreender que Deus procura verdadeiros adoradores, pessoas que o adorem em espírito e verdade, ou melhor, em ação e fidelidade. Estes são os discípulos e discípulas que, como o Mestre, têm como alimento o desejo de fazer a vontade de Deus, participam da sua obra e a completam: produzem vida abundante para seu povo, geram mais solidariedade que divisão, valorizam e cuidam dos diversos biomas, exercitam mais acolhida que a doutrina, propõem mais ações que palavras.
Com seu jeito de se aproximar e sua acolhida sem limites, Jesus leva aquela mulher da Samaria a descobrir sua própria verdade. E então ela deixa de repetir mecanicamente as ações determinadas pelo hábito, pela cultura e pela condição social e se torna “uma fonte de água que jorra para a vida eterna”. Ela deixa o balde e corre à cidade para anunciar: “Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não seria ele o Messias?” Aquela que era desprezada renasce como missionária!
Como anuncia Paulo, por meio de Jesus Cristo estamos em paz com Deus e somos dinamizados pela esperança. Esta esperança não engana, pois o amor de Deus já nos envolve e guia, mediante o Espírito Santo. E isso não porque já estejamos plenamente convertidos ou isentos de pecado. Deus demonstra seu amor porque se entrega por nós sem se importar com o fato de ainda sermos pecadores e na compreendermos e vivermos adequadamente seu Evangelho. Eis a razão de nossa esperança!
Jesus, peregrino no meio-dia da história, água que sacia nossa sede! Tu és Senhor e ages como irmão, és semeador que convida à colheita, és profeta que desperta nossa profecia. Como a mulher da Samaria, estamos demasiadamente seguros das doutrinas que recebemos da tradição. Por isso, te pedimos: toca com tua mão, ou com o teu chicote, as pedras das nossas instituições e a crosta do nosso coração, e liberta a água viva e livre que elas aprisionam. E faz com que todos os que viemos a este encontro contigo experimentemos tua santa liberdade e nos tornemos testemunhas intrépidas de uma religião que não se compraz na simples repetição de doutrinas e na celebração de ritos. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Êxodo 17,3-7 * Salmo 94 (95) * Carta de Paulo aos Romanos 5,1-8 * Evangelho de São João 4,5-42)

sexta-feira, 10 de março de 2017

O Evangelho dominical - 12.03.2017

ESCUTAR JESUS
O centro desse relato complexo, chamado tradicionalmente a «transfiguração de Jesus», é ocupado por uma voz que vem de uma estranha «nuvem luminosa», símbolo que se utiliza na Bíblia para falar da presença sempre misteriosa de Deus, que se nos manifesta e, ao mesmo tempo, se nos oculta.
A voz diz estas palavras: «Este é o Meu Filho, em quem coloquei o meu agrado. Escutai-O». Os discípulos não devem confundir Jesus com ninguém, nem sequer com Moisés ou Elias, representantes e testemunhas do Antigo Testamento. Só Jesus é o Filho querido de Deus, o que tem o Seu rosto «resplandecente como o sol».
Mas a voz acrescenta algo mais: «Escutai-O». Noutros tempos, Deus tinha revelado a Sua vontade por meio dos «dez mandamentos» da Lei. Agora a vontade de Deus resume-se e concretiza-se num só mandato: «Escutai Jesus». O escutar estabelece a verdadeira relação entre os seguidores e Jesus.
Ao ouvir isto, os discípulos caem pelo chão «aterrados de medo». Estão atemorizados por aquela experiência tão próxima de Deus, mas também assustados pelo que ouviram: poderão viver escutando apenas Jesus, reconhecendo só nele a presença misteriosa de Deus?
Então Jesus «aproxima-se, toca-lhe e diz: “Levantai-vos. Não tenhais medo”. Sabe que necessitam experimentar a Sua proximidade humana: o contato da Sua mão, não apenas o resplendor divino do Seu rosto. Sempre que escutamos Jesus no silêncio do nosso ser, as suas primeiras palavras dizem-nos: «Levanta-te, não tenhas medo».
Muitas pessoas só conhecem Jesus de ouvir falar. O Seu nome resulta-lhes familiar, mas o que sabem Dele não vai mais longe do que algumas recordações e impressões de infância. Inclusive, apesar de se chamarem cristãos, vivem sem escutar no seu interior Jesus. E sem essa experiência não é possível conhecer a Sua paz inconfundível nem a Sua força alentar e sustentar a vida.
Quando um crente se detém para escutar em silêncio Jesus, no interior da Sua consciência escuta sempre algo como isto: «Não tenhas medo. Abandona-te com toda a simplicidade no mistério de Deus. A tua pouca fé basta. Não te inquietes. Se me escutas, descobrirás que o amor de Deus consiste em estar sempre a perdoar-te. E, se acreditas nisto, a tua vida mudará. Conhecerás a paz do coração».
No livro do Apocalipse pode-se ler assim: «Olha, estou à porta e chamo; se alguém ouve a mina voz e me abre a porta, entrarei em sua casa». Jesus chama à porta de cristãos e não cristãos. Podemos abrir-lhe a porta ou rejeitá-lo. Mas não é o mesmo viver com Jesus que sem Ele.
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

terça-feira, 7 de março de 2017

ANO A – SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA – 12.03.2017

Procuremos o rosto de Deus e acolhamos sua Palavra!

O caminho da vida cristã inaugurado por Jesus Cristo, autenticamente humano e plenamente divino, é, acima de tudo, a via do amor e do serviço. E quem ama não foge do sofrimento, pois ele não se opõe ao amor. O amor é sempre exigente! Na prisão, Paulo experimenta isso na própria carne, mas vive o sofrimento por amor como graça, e pede que participemos do seu sofrimento pelo Evangelho. É nesta humana capacidade de sofrer por amor que se esconde a maior glória que podemos desejar. Uma vida levada adiante como amor e serviço traz em si a vitória sobre a morte e o brilho da imortalidade!
No segundo domingo da quaresma, somos convidados a meditar sobre a transfiguração de Jesus. Depois de ter perguntado aos discípulos o que o povo pensava sobre ele, e depois de ter ouvido que a maioria o via como profeta, Jesus interroga os próprios discípulos, e ouve de Pedro uma resposta que aponta para um messianismo que exclui a vulnerabilidade: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo!” Nessa profissão de fé formalmente correta se escondem ideias e expectativas bastante contraditórias, e Jesus sente necessidade de esclarecer esse messianismo marcado pela ideia de poder.
Então, Jesus se propõe a corrigir atenta e demoradamente as expectativas de sucesso e honra que povoam a mente e o coração de Pedro e dos demais discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (Mt 16,24-25). Mas parece que eles não conseguem escutar e compreender o que as insistentes palavras de Jesus significam. Como é difícil mudar uma mentalidade religiosa fechada e um ideal político ambicioso!
Seis dias depois dessas tensões e lições, ocorre o episódio que conhecemos como transfiguração de Jesus. O núcleo central da passagem está mais na dimensão auditiva (a palavra que ressoa desde o interior da nuvem) que no aspecto visual (o brilho forte como o do sol e a brancura brilhante como a da luz). É verdade que a mudança no aspecto visual de Jesus chama a atenção dos discípulos e provoca entusiasmo. Eles até desejam prolongar no tempo esta experiência. Como sempre, experiências de poder e da glória tranquila, fugaz e mortal que as acompanham costumam embriagar e podem levar ao fanatismo. Mas parece-me claro que a narração focaliza a voz que vem da Nuvem.
Ademais, Jesus aparece acompanhado por Elias e Moisés e conversa com eles. Os personagens que aparecem e dialogam com Jesus são dois ícones da história do povo de Israel: Moisés, que lembra o êxodo libertador, e Elias, que recorda a profecia corajosa, radicada na experiência de um Deus que caminha com seu povo mas não se deixa prender em nenhuma imagem. Qual seria o conteúdo desta conversa? Parece ser o anseio de liberdade e a necessidade de profecia. Mas os discípulos não parecem interessados nisso. Eles se deixam seduzir pelo brilho da cena e fecham os ouvidos ao que se fala.
A nuvem tenebrosa e luminosa que envolve os discípulos embriagados recorda o êxodo, a longa e exigente travessia da escravidão à liberdade. Se antes eles estavam achando tudo muito bom e bonito, caem no chão e são tomados pelo medo quando a nuvem os envolve. Parece que o temor aumenta quando ouvem a voz que ordena: “Este é o meu filho amado, nele está o meu pleno agrado: escutai-o!” Nenhum discípulo de Jesus pode pretender menosprezar a lição de um Deus que se deixa crucificar por amor. A Palavra que ressoa em Jesus é encarnação, compaixão, esvaziamento, aproximação.
O intimismo e o espiritualismo que costumam envolver e acompanhar muitas experiências religiosas podem ser perigosos quando pretendem a esconder a indiferença para com a sorte dos oprimidos – começando com o descaso com os biomas – e a letal aliança com o poder das elites. A tentação de construir tendas, templos e palácios em lugares inacessíveis aos simples humanos sempre ronda a Igreja, e nem Pedro e seus sucessores estiveram imunes a ela. É preciso descer da montanha, sair dos templos, livrar-se da sedução do brilho, ganhar as ruas e não esquecer a lição da solidariedade!
Deus Pai e Mãe! Aqui viemos para escutar a Palavra e compreender o Caminho do teu Filho. Ajuda-nos a acolhê-los, com o sincero desejo de sermos parceiros dos homens e mulheres nos seus sonhos e lutas, de acolher e defender a integridade dos biomas brasileiros. Não nos deixes cair na tentação de armar piedosas tendas longe das dores das vítimas e dos clamores dos pobres e sofredores. Toca delicadamente nosso ombro, espanta o medo que nos aprisiona, e levanta-nos, para que desçamos da montanha revestidos da coragem dos profetas e da esperança dos sonhadores. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Genesis 12,1-4 * Salmo 32 (33) * Segunda Carta a Timóteo 1,8-10 * Evangelho de São Mateus 17,1-9)

segunda-feira, 6 de março de 2017

Trump e seu muro

Façamos o muro
Façamos o muro. Nós, os mexicanos, o pagaremos, de acordo. Mas o faremos nós mesmos e colocaremos um posto de socorro a cada 20 quilômetros. Um albergue com médicos, comida, água, camas para descansar e recuperar as forças, aulas de inglês. E o mais importante: vamos incluir muitas portas ao longo do muro, milhares. Portas que só tenham travas de um lado: o nosso.
Façamos o muro. Nós, os mexicanos, pagaremos por ele, de acordo. Mas primeiro vamos pedir um empréstimo aos Estados Unidos para construí-lo. Ao Banco Mundial. Melhor ainda: ao Fundo Monetário Internacional. Faremos uma licitação para o projeto arquitetônico do muro. Outra licitação para a construção. E outra, quando ele estiver pronto, para a gestão.
Convidaremos apenas nossos amigos para participar das licitações, é claro. E que ganhem as licitações os mais amigos entre todos nossos amigos. Os do projeto arquitetônico atrasarão sua entrega muito, muito mesmo: anos (são arquitetos medíocres, mas são nossos melhores amigos).
A construção só começará com anos de atraso. E em pouco tempo haverá problemas com alvarás de construção. E mais problemas com os fornecedores dos materiais. E greves dos trabalhadores. Depois de dois meses a primeira parte construída apresentará rachaduras e umidade, levando à suspensão temporária da construção do muro.
Assim se passarão os anos e, com um pouco de sorte, também passarão os presidentes dos Estados Unidos, até que chegue um a quem a construção de um muro não interesse. Melhor ainda: até que chegue um que dê ordens de parar com a construção do muro (não devolveremos o dinheiro do empréstimo, é claro.)
Façamos o muro. Nós, mexicanos, pagaremos por ele, de acordo. Um muro verde, ecológico, uma cerca viva. Uma cerca, para sermos específicos, feita de pés de maconha. Primeiro, é claro, legalizemos a maconha para finalidades de construção de muros. E então veremos como mudarão os fluxos migratórios: as pessoas do Norte correndo em debandada rumo ao Sul, para fumar nosso muro.
Contrariamente ao que se poderia esperar, não os deteremos. Pelo contrário. Todos nos encontraremos na fronteira, e uma nova época de amizade e fraternidade surgirá entre os dois povos.
Façamos o muro. Pagaremos por ele nós, os mexicanos, de acordo. Mas façamo-lo como atração turística, como parque de diversões. Vamos chamá-lo de "o Muro da Vergonha" ou algo desse estilo. Ao lado dele instalaremos museus sobre o racismo, o imperialismo, a discriminação. E mirantes para poder ver de longe como são as coisas do outro lado do muro.
Virão turistas japoneses, chineses, alemães, escandinavos, turistas do mundo inteiro. Nosso muro será um grande negócio e criará milhares de postos de trabalho. Que, é claro, serão ocupados pelos migrantes que não possam atravessar o muro.
Façamos o muro. Nós, mexicanos, pagaremos por ele, de acordo. Um muro invisível, como a roupa invisível do imperador. Um muro que apenas as pessoas inteligentes possam ver. Nós, mexicanos, o construiremos com tijolos invisíveis e aço também invisível. Libertos de restrições materiais, o ergueremos altíssimo: mil metros de altura. E muito espesso: dois quilômetros de largura.
No dia da inauguração, diremos ao presidente dos Estados Unidos: cá está seu muro; é muito alto, muito largo, mas apenas os inteligentes podem vê-lo. Tenho certeza de que o presidente dos Estados Unidos ficará muito contente.
JUAN PABLO VILLALOBOS

(escritor mexicano, é autor dos livros "Festa no Covil", "Se Vivêssemos em um Lugar Normal" e "Te Vendo um Cachorro)

quarta-feira, 1 de março de 2017

O Evangelho dominical - 05.03.2017

A NOSSA GRANDE TENTAÇÃO

O episódio das «tentações de Jesus» é um relato que não devemos interpretar apressadamente. As tentações que se nos descrevem não são propriamente de natureza moral. O relato adverte-nos de que podemos arruinar a nossa vida sem nos desviarmos do caminho que segue Jesus.
A primeira tentação é de importância decisiva, pois pode perverter e corromper a nossa vida desde a raiz. Aparentemente, a Jesus se lhe oferece algo inocente e bom: colocar Deus ao serviço da sua fome. «Se és Filho de Deus, ordena que estas pedras se convertam em pães».
No entanto, Jesus reage de forma rápida e surpreendente: «Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus». Não fará do seu próprio pão, um absoluto. Não colocará Deus ao serviço do seu próprio interesse, esquecendo o projeto do Pai. Sempre procurará primeiro o reino de Deus e a Sua justiça. Em todo o momento escutará a Sua Palavra.
As nossas necessidades não ficam satisfeitas só com ter assegurado o nosso pão material. O ser humano necessita e deseja muito mais. Inclusive, para resgatar da fome e da miséria a quem não tem pão, temos de escutar a Deus, nosso Pai, e despertar na nossa consciência a fome de justiça, a compaixão e a solidariedade.
A nossa grande tentação é hoje converter tudo em pão. Reduzir cada vez mais o horizonte da nossa vida à satisfação dos nossos desejos; viver obcecados por um bem-estar sempre maior ou fazer do consumismo indiscriminado e sem limites o ideal quase único das nossas vidas.
Enganamo-nos se pensamos que esse é o caminho que se tem de seguir para o progresso e a libertação. Não estamos vendo que uma sociedade que arrasta as pessoas para o consumismo sem limites e para a autossatisfação não faz senão gerar vazio e falta de sentido nas pessoas e egoísmo, ausência de solidariedade e irresponsabilidade na convivência?
Porque trememos que aumento trágica do número de pessoas que se suicidam cada dia? Porque continuamos fechados no nosso falso bem-estar, levantando barreiras cada vez mais inumanas para que os famintos não entrem nos nossos países, não cheguem até às nossas residências nem chamem à nossa porta?
A chamada de Jesus pode-nos ajudar a tomar mais consciência de que não só de bem-estar vive o ser humano. Também os homens e mulheres de hoje necessitamos cultivar o espírito, conhecer o amor e a amizade, desenvolver a solidariedade com os que sofrem, escutar a nossa consciência com responsabilidade, abrir-nos ao Mistério último da vida com esperança.
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez