quinta-feira, 27 de abril de 2017

O Evangelho dominical - 30.04.2017

ACOLHER A FORÇA DO EVANGELHO

Dois discípulos de Jesus vão se afastando de Jerusalém. Caminham tristes e desolados. Quando viram Jesus morrer na cruz, apagou-se nos seus corações a esperança que tinham posto Nele. No entanto, continuam a pensar Nele. Não o podem esquecer. Teria sido tudo uma ilusão?
Enquanto conversam e discutem sobre tudo o que viveram, Jesus aproxima-se e caminha com eles. No entanto, os discípulos não o reconhecem. Aquele Jesus em quem tinham confiado e que tinham amado com paixão parece-lhes agora um caminhante estranho.
Jesus junta-se à conversa. Os caminhantes escutam-No primeiro surpreendidos, mas pouco a pouco algo vai despertando nos seus corações. Não sabem exatamente o que lhes está a suceder. Mais tarde dirão: «Não ardia o nosso coração enquanto nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?»
Os caminhantes sentem-se atraídos pelas palavras de Jesus. Chega um momento em que necessitam da Sua companhia. Não querem deixa-Lo partir: «Fica conosco». Durante o jantar abrir-se-ão os olhos e reconhecem-No. Esta é a grande mensagem deste relato: quando acolhemos Jesus como companheiro de caminho, as Suas palavras podem despertar em nós a esperança perdida.
Durante estes anos, muitas pessoas perderam a sua confiança em Jesus. Pouco a pouco ele converteu-se num personagem estranho e irreconhecível. Tudo o que sabem Dele é o que podem reconstruir, de forma parcial e fragmentada, a partir do que escutaram de pregadores e catequistas.
Sem dúvida, a homília dos domingos cumpre uma função insubstituível, mas é claramente insuficiente para que as pessoas de hoje possam entrar em contato direto e vivo com o Evangelho. Tal como se leva a cabo, ante um povo que há de permanecer mudo, sem expor as suas inquietudes, interrogações e problemas, é difícil que consiga regenerar a fé vacilante de tantas pessoas que procuram, por vezes sem o saber, encontrar-se com Jesus.
Não terá chegado o momento de instaurar, fora do contexto da liturgia dominical, um espaço novo e diferente para escutarmos juntos o Evangelho de Jesus? Porque não, reunir leigos e presbíteros, mulheres e homens, cristãos convictos e pessoas que se interessam pela fé, para escutar, partilhar, dialogar e acolher o Evangelho de Jesus?
Temos que dar ao Evangelho a oportunidade de entrar com toda a sua força transformadora em contato direto e imediato com os problemas, crises, medos e esperanças das pessoas de hoje. Em breve será demasiado tarde para recuperar entre nós a frescura original do Evangelho. Hoje é possível. Isto é o que se pretende com a proposta dos Grupos de Jesus.

José Antonio Pagola

quarta-feira, 26 de abril de 2017

ANO A – TERCEIRO DOMINGO DA PASCOA – 30.04.2017

Jesus nos acompanha nas curvas e encruzilhadas da vida!
O significado do acontecimento pascal não se entrega à nossa compreensão em uma só vez. A realidade viva e esperançosa que o evento da pascoa de Jesus nos comunica precisa de um longo tempo para germinar, crescer, florescer e frutificar. Com sua peculiar sabedoria, a tradição cristã prolonga o evento pascal nas sete semanas que se seguem à páscoa. Este período, denominado tempo pascal, é um desafio e um convite a descobrir e acolher o dinamismo da ressurreição em suas múltiplas facetas, uma novidade escondida nas tramas da vida e na luminosidade translúcida das liturgias.
Os evangelhos fazem questão de não esconder as dificuldades e a incrível lentidão com que os discípulos e discípulas vão se abrindo à ressurreição de Jesus Cristo. O episódio dos discípulos que deixam Jerusalém e voltam desolados à aldeia de Emaús é paradigmática. Lucas diz que eles caminhavam desolados, e pareciam uma dupla de cegos. Eles não conseguiam tirar da memória a imagem da prisão, do julgamento, da tortura e da morte de Jesus na cruz. Para eles, o fracasso fora completo e arrasador, e não havia como conciliar a esperança do esperado messias com um criminoso pregado na cruz...
O evangelista faz notar que “o próprio Jesus se aproxima e começa a conversar com eles”. E começa perguntando pelo conteúdo da conversa e pelo motivo da tristeza deles. Não chega impondo o tema ou desviando do assunto. Com a sabedoria de mestre, conduz os discípulos ao mais fundo da própria frustração, ao coração da própria dor, ao núcleo central dos acontecimentos. E o faz caminhando com eles, num caminho de volta ao passado no qual dormiam as esperanças. Sem este primeiro momento, o anúncio e o testemunho da ressurreição poderia cair no vazio ou resvalar para o cinismo.
Caminhando e dialogando com os discípulos, Jesus provoca neles a abertura a uma imagem de Deus despida das marcas do poder e do saber. Obcecados por certa imagem de Deus e machucados pelo desengano de suas esperanças, eles não conseguem compreender nada. Mas a perseverança de Jesus acaba abrindo algumas pequenas brechas naquela terra seca. Eles se dão conta de que já é tarde, e a noite se aproxima. Percebem claramente que um caminho sem esperanças não leva a lugar nenhum. Sentem necessidade de um companheiro com quem possam dividir o pão da dor.
A sede de companhia, somado ao desejo de repartir, faz a diferença e abre as portas. Acolhendo o anônimo companheiro de caminhada e partilhando com ele a vida e o pão, os discípulos passam da cegueira à visão, da frustração à alegria, da escuridão à luz. A hospitalidade e a partilha dão a eles a possibilidade de fazer uma releitura do percurso feito, compreender melhor o que sentem e descobrir o significado profundo dos acontecimentos que vivem. Só então eles dão atenção àquilo que sentiam quando escutavam a Palavra. “Não estava o nosso coração ardendo quando ele nos falava pelo caminho?”
A seu modo, Pedro demonstra que os apóstolos também aprenderam esta lição. Com uma coragem inexplicável, ele se dirige aos habitantes de Jerusalém e aos peregrinos, convida-os a compreender o sentido do que estava acontecendo naquela manhã em que o fogo do Espírito abria portas e caminhos, concedia sabedoria e inteligência, chamava e enviava: aquele Jesus de Nazaré que fora humilhado até o extremo havia sido exaltado ao máximo. “Não era possível que a morte o dominasse... Deus o ressuscitou dos mortos e lhe deu a glória...” E nos acompanha neste tempo em que somos todos migrantes...
A fé cristã se fundamenta no testemunho, na experiência pessoal ou dos outros. Cremos porque há uma corrente de homens e mulheres que deram prosseguimento ao caminho e ao projeto vivido por Jesus Cristo. Nesta “nuvem de testemunhas” Cristo se mostra vivo e ressuscitado, e os sacramentos nos conduzem a esta realidade. Se esta corrente de testemunhas não continuar, os frutos da ressurreição não chegam à mesa de ninguém. Por isso, cada geração de cristãos precisa recriar o testemunho do Ressuscitado, discernindo as exigências e oportunidades próprias do seu tempo. A jornada mundial de oração pelas vocações, e a própria greve geral da sexta-feira, estão nesta perspectiva.
Deus da vida: nossos pais e antepassados na fé nos ensinaram a te chamar de pai, mas mostras que tens um coração de mãe. Tu nos acompanhas nas curvas sombrias dos nossos fracassos individuais e coletivos, nos confortas no aconchego do teu colo, seguras nossa mão e guias nossos passos incertos, abres nossos olhos para encarar a realidade, encorajas à fidelidade criativa e responsável. Vem em nosso auxílio na aventura de transformar a fé na ressurreição do teu filho em projeto de uma vida comprometida com os pobres, doada sem reservas e sem condições. Assim seja, neste tempo de nossa migração neste mundo! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 2,14.22-33 * Salmo 15 (16) * 1ª. Carta de Pedro 1,17-21 * Evangelho de Lucas 24,13-35)

sábado, 22 de abril de 2017

O Evangelho dominical - 23.04.2014

JESUS SALVARÁ A SUA IGREJA

Aterrados pela execução Jesus, os discípulos refugiam-se numa casa conhecida. De novo estão reunidos, mas já não está com eles Jesus. Na comunidade há um vazio que ninguém pode encher. Falta-lhes Jesus. A quem seguirão agora? ¿Que poderão fazer sem Ele? «Está a anoitecer» em Jerusalém e também no coração dos discípulos.
Dentro da casa estão «com as portas bem fechadas». É uma comunidade sem missão e sem horizonte, encerrada em si mesma, sem capacidade de acolhimento. Já ninguém pensa em sair pelos caminhos a anunciar o reino de Deus e curar a vida. Com as portas fechadas não é possível aproximar-se do sofrimento das pessoas.
Os discípulos estão cheios de «medo dos judeus». É uma comunidade paralisada pelo medo, em atitude defensiva. Só vêm hostilidade e rejeição por toda parte. Com medo não é possível amar o mundo como o amava Jesus nem infundir a ninguém alento e esperança.
De repente, Jesus ressuscitado toma a iniciativa. Vem resgatar os Seus seguidores. «Entra na casa e coloca-se no meio deles». A pequena comunidade começa a transformar-se. Do medo passam à paz que lhes infunde Jesus. Da obscuridade da noite passam à alegria de voltar a vê-Lo cheio de vida. Das portas fechadas vão passar rapidamente a anunciar por todas partes a Boa Nova de Jesus.
Jesus fala-lhes pondo naqueles pobres homens toda a Sua confiança: «Como o Pai Me enviou, assim também Eu vos envio». Não lhes diz a quem se devem aproximar, que devem anunciar, nem como têm de atuar. Já aprenderam com Ele pelos caminhos da Galileia. Serão no mundo o que Ele foi.
Jesus conhece a fragilidade dos Seus discípulos. Muitas vezes criticou a sua fé pequena e vacilante. Necessitam a força do Seu Espírito para cumprir a Sua missão. Por isso faz com eles um gesto especial. Não lhes impõe as mãos nem os abençoa, como aos doentes. Exala o Seu alento sobre eles e diz-lhes: «Recebei o Espírito Santo».
Só Jesus salvará a Sua Igreja. Só Ele nos libertará dos medos que nos paralisam, quebrará os esquemas enfadonhos em que o pretendemos encerrar, abrirá tantas portas que temos fechado ao longo dos séculos, estabelecerá tantos caminhos que nos têm desviado Dele.
O que se nos pede é reavivar muito mais em toda a Igreja, a confiança em Jesus ressuscitado, mobilizar-nos para O colocar sem medo no centro das nossas paróquias e comunidades, e concentrar todas as nossas forças para escutar bem o que o Seu Espírito diz hoje aos Seus seguidores.
José Antonio Pagola.

Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 19 de abril de 2017

ANO A – SEGUNDO DOMINGO DA PASCOA – 23.04.2017

Ressuscitados, somos enviados para renovar o mundo!
Nós nunca vimos Jesus, mas isso não nos impede de segui-lo, amá-lo e testemunhá-lo. Aprendemos pouco a pouco que a fé nos faz renascer para uma esperança viva e nos ajuda a ver com novo olhar e agir com novo vigor. Ver e tocar não são condições indispensáveis para crer. Imprescindível é o vínculo vivo com uma comunidade de irmãos e irmãs. É na comunhão com homens e mulheres concretos que podemos estender a mão e tocar as chagas do Senhor crucificado e ressuscitado, prostrarmo-nos em humilde adoração e prosseguir a missão de Jesus Cristo.
Como não se impressionar com a experiência pascal dos discípulos de Jesus? Doía-lhes na consciência a traição, a negação, a deserção e o abandono de Jesus no caminho da cruz. A esta dor acrescentava-se o medo de que a perseguição violenta por parte das autoridades judaicas e romanas se voltasse também contra eles. Com medo, eles se reuniam a portas fechadas. Mas, ao se manifestar a eles, a primeira palavra de Jesus é de acolhida e pacificação, e não de cobrança: “A paz esteja com vocês!” Jesus lhes mostra as feridas nas mãos e no lado esquerdo, sem lamentar ou acusar pelo abandono sofrido.
Tomé não está reunido com os demais discípulos quando Jesus ressuscitado vai ao encontro deles. Os outros dez discípulos lhe anunciam “nós vimos o Senhor”, e sua reação não esconde a frustração transformada em desconfiança e ceticismo: “Se eu não vir a marca dos pregos nas mãos dele, se eu não colocar o meu dedo na marca dos pregos, e se eu não colocar a minha mão no lado dele, eu não acreditarei.” Falta-lhe o sentido de pertença à comunidade. O abandono do caminho de Jesus leva-o ao isolamento, e esta separação da comunidade impede a continuidade da missão.
Tomé reata os laços com os condiscípulos e, assim, seus olhos se abrem. Nos corpos concretos e feridos dos irmãos e irmãs, Tomé recorda o projeto de Jesus Cristo, “toca” suas feridas e acredita nele. São felizes aqueles que alcançam a fé sem ver, apenas vendo e tocando indiretamente o Senhor que está no meio de nós. Como comunidade apostólica, damo-nos conta de que podemos ficar de tal modo envolvidos pela ideia de um Cristo exaltado e pela possibilidade da nossa ressurreição depois da morte que corremos o risco de esquecer que o mundo ainda não foi totalmente transfigurado...
Por isso, Jesus Cristo claramente confere uma missão aos discípulos: continuar seu próprio trabalho de tirar o pecado do mundo. “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês”. É como se ele nos confiasse a tarefa de lixeiros, de passar pelas ruas recolhendo os males que o egoísmo gera e sustenta. Isso é o que significa ser o “Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”. Este pecado tem muitos nomes e se manifesta nas diversas formas de dominação, de exploração, de discriminação, ou também na indiferença diante das vítimas destas ações. É a isso que, na sua carta, Pedro identifica como herança que não se corrompe!
E esta herança e missão urgem, não podem ser postergadas para amanhã, para quando tivermos mais tempo. Não pode também ser terceirizada ou enviada à responsabilidade dos outros. O pecado que não tirarmos do mundo permanecerá aqui, diminuindo e ferindo a vida de muita gente. A comunidade que se reúne para continuar a memória de Jesus crucificado e ressuscitado, depois de receber o Espírito Santo, teve coragem para inovar e forças para perseverar no ensinamento dos apóstolos, na união fraterna em torno de Jesus Cristo; na partilha do pão, na oração e na liturgia. Eis nosso caminho!
É a nós que Jesus se dirige hoje, convidando a tocar seu corpo. Nesta celebração, seu corpo está ao nosso alcance na eucaristia, mas também no corpo eclesial, nos irmãos e irmãs que estão ao nosso lado no templo e do lado de fora da igreja. Saudemos, abracemos sirvamos estes irmãos e irmãs, membros vivos do corpo de Cristo. Com eles, vivamos em paz e sejamos portadores de paz. E mais ainda: busquemos no pão pascal a força para perseverar na tarefa impostergável de tirar o pecado do mundo, começando pelos pecados que ferem e maculam a própria Igreja. Pedro diz que somos guardados para a salvação...
Deus, Pai e Mãe da vida: celebrando a memória de teu filho e nosso irmão Jesus de Nazaré, te agradecemos pelo dom da fé: é graças a ela que cremos e caminhamos, mesmo sem ter tocado as feridas de Jesus. E te pedimos que este tempo de passagem nos faça renascer para uma esperança viva e vivificadora, para uma herança que não murcha. Faz com que sejamos membros da família de Jesus Cristo a partícipes da sua missão de tirar o pecado do mundo, de testemunhar o Evangelho da alegria e do serviço e fazer da humanidade uma só família. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 2,42-47 * Salmo 117 (118) * Primeira Carta de Pedro 1,3-9 * Evangelho de João 20,19-31)

quarta-feira, 12 de abril de 2017

ANO A – FESTA DA PÁSCOA DO SENHOR – 16.04.2017

Nossa verdadeira humanidade está com Cristo, em Deus!
A festa cristã da Páscoa celebra o reconhecimento de Jesus – o profeta perseguido e assassinado, o irmão e servidor da humanidade – como Filho de Deus. Proclama que, nele, Deus vence todas as formas de morte, desde a morte física dos indivíduos até a morte progressiva e massiva que resulta das estruturas iníquas e dos poderes despóticos, passando pela agressão e morte silenciada do ecossistema e dos diversos biomas. A páscoa anuncia que Jesus, a pedra sem utilidade e considerada problemática, foi considerado por Deus como pedra fundamental da construção de um mundo novo.
É isso que escutamos no testemunho entusiasmado e corajoso de Pedro. Ele recorda que Jesus andou por toda parte fazendo o bem e agindo sem medo, apesar da violência que havia levado João Batista à morte. E sublinha que Deus estava com Jesus, inclusive no vazio e no escuro da cruz, quando parecia havê-lo abandonado. Foi o próprio Deus que o ressuscitou dos mortos e transformou em juiz aquele que fora réu de morte. E os discípulos da primeira hora, apesar da dificuldade de acreditar nele e de tê-lo abandonado, são constituídos testemunhas e pregadores desta Boa Notícia.
A Páscoa de Jesus de Nazaré e dos cristãos celebra as infinitas possibilidades escondidas na vida de cada pessoa, na história da humanidade e no mistério de todas as criaturas. Afirma que a última palavra não será do discurso frio daqueles que impõem sua injusta ordem e mandam calar os profetas. Proclama que a ação realmente eficaz e grávida de futuro é aquela que estabelece a absoluta superioridade do outro, da vítima, do pequeno. Evidencia que a direção certa e o sentido da vida estão no esquecimento de si, no fazer-se semente de uma outra vida, no viver uma liberdade que se faz solidariedade.
E é claro que esta não é uma realidade que se manifesta apenas depois da morte. Paulo afirma surpreendentemente que os cristãos já foram ressuscitados. Ele fala do dinamismo pascal do nosso batismo, que possibilita e requer a passagem de uma vida fechada em pequenos interesses para uma vida plena e solidária. “Procurem as coisas do alto!”, exorta Paulo. E isso significa assumir um estilo de vida centrado no dom e no amor, no serviço e na partilha, no compromisso perseverante e generoso com a gestação de um outro mundo, na conversão permanente da Igreja ao Evangelho de Jesus Cristo.
Mas a ressurreição de Jesus não é algo que se impõe com força de evidência, que vem acompanhado de manifestações potentes. É fé e crença que começa com uma sepultura vazia, diante da qual Maria Madalena foge alarmada para avisar Pedro e João. Estes correm e, chegando, entram na sepultura vazia e vêem os panos e o sudário. Somente mais tarde Madalena abrirá os olhos, quando será chamada pelo nome. E os discípulos desanimados encontrarão Jesus com fisionomia de peregrino no caminho de Emaús. E os outros apóstolos o reconhecerão numa manhã cinzenta, depois de uma pesca frustrada.
O evangelho diz que o dia já havia amanhecido, mas, na cabeça de Maria Madalena e dos demais discípulos e apóstolos, a experiência do fracasso pairava como escuridão intransponível. Só muito lentamente eles foram percebendo que os lençóis estendidos não estavam lá para cobrir um cadáver, mas para acolher as núpcias de uma nova aliança. O sudário sim, depois de cobrir a cabeça de Jesus, estava à parte e envolvia totalmente o templo, o lugar onde a morte fora tramada e deliberada. Precedido e encorajado por Maria Madalena, o discípulo amado entrou na sepultura escura e fria, “viu e acreditou”.
A Páscoa de Jesus de Nazaré inaugura a nova criação. Não se trata de uma simples correção do passado, de perdão dos pecados, de vitória sobre a morte física e individual. Jesus de Nazaré, o ressuscitado que traz no corpo as marcas dos pregos e da lança, que passou fazendo o bem, é o Homem Novo, o Primogênito de todas as criaturas e o Irmão de todos os homens e mulheres. Em seu nome, os discípulos e discípulas se reúnem e organizam comunidades que continuam sua pró-existência, engajados na defesa da vida de todas as criaturas, desconhecendo todo e qualquer limite excludente.
Deus Pai e Mãe, útero sagrado no qual a Vida é gerada e regenerada: obrigado pela luz e pela força da ressurreição de Jesus Cristo que hoje estamos celebrando. Aqui renovamos a convicção de que o Filho do Homem e Irmão dos Pequenos se tornou juiz dos vivos e dos mortos, dos que escravizam e dos que são escravizados, dos que morrem e dos mandam matar. Hoje redescobrimos nossa vocação de ser semente que morre para ser fecunda, e voltaremos às nossas casas caminhando e cantando, para demonstrar nossa alegria e para espantar o medo. Que a vida seja sempre mais forte que a morte! Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 10,34-43 * Salmo 117 (118) * Carta aos Colossenses 3,1-4 * Evangelho de S. João 20,1-9)

terça-feira, 11 de abril de 2017

ANO A – CELEBRAÇAO DA VIGÍLIA PASCAL – 15.04.2017

Eu creio num mundo novo, pois Cristo ressuscitou!
Como fazemos quando falece uma pessoa querida, neste sábado reunimo-nos em vigília para ruminar a dor da perda, recapitular uma história, regar as frágeis sementes da nossa esperança. A escuta atenta e ritmada da Palavra que cria e sustenta a vida e a esperança pode nos ajudar neste tempo de espera vigilante e de decisões responsáveis. As vigílias sempre têm o objetivo de nos ajudar assumir a herança humana e espiritual de quem partiu, a levantar o olhar, a contemplar o horizonte...
Sendo recordação, a vigília é também saudade, espera e vazio: o vazio da libertação perdida, do desejo de plenitude prometida, do futuro que é espera. É também um dolorido processo de despojamento dos estreitos conceitos, ambíguas ambições e despóticos senhores, a fim de purificar nosso olhar e sintonizar nossa vida com o Divino Mistério. Deus assume esse vazio e nele faz sua morada! No início de tudo, o Espírito pairava sobre a terra informe e vazia... Pelo batismo, fomos sepultados com Cristo...
O vazio da sepultura não comprova a ressurreição, mas nos ajuda a intuir que os corpos torturados e sepultados dos profetas não são a última palavra de Deus sobre a história. Na sepultura vazia, mulheres e anjos ensinam que o caos do lixo pode dar lugar a uma criação harmoniosa, que o mar ameaçador pode ser atravessado a pé enxuto, que os grupos dispersos podem ser reunidos, que os crucificados caminham à nossa frente rumo às fronteiras, onde novas possibilidades estão em gestação...
É verdade que o Dia ainda não amanheceu plenamente e a liberdade não alcançou todos os seres humanos. Mas os guardas do sistema tremem diante do vulto de mulheres e de homens que caminham corajosamente. O poder sobre a vida e a morte não está mais nas mãos deles! Precisamos nos abrir às novas possibilidades escondidas nas pessoas e nos caminhos da história, vibrar de alegria e sair correndo para anunciar aos outros esta Boa Notícia: “Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!”
As mulheres madrugadeiras nos ensinam que os sinais palpáveis da ressurreição só podem ser tocados na periferia – “ele vai à vossa frente para a Galiléia. Lá vós o vereis!” – ou numa Igreja em saída – “Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galiléia. Lá eles me verão...” É neste caminho missionário que as duas mulheres reconhecem o Ressuscitado que vem ao encontro delas pedindo que se alegrem e não tenham medo. O lugar onde ele esteve antes perde importância diante do lugar onde ele está agora!
Como cristãos, somos chamados a completar em nossos corpos os sofrimentos de Cristo, a prolongar os sinais do esvaziamento por amor e a fazer germinar as sementes do Reino de Deus. A ressurreição se multiplica como semente no testemunho e nas iniciativas dos discípulos e discípulas, comunidades e Igrejas, grupos e movimentos. Os sinais são pequenos, mas reais e promissores. Como naquela parábola, a semente é pequena, mas tem um impressionante dinamismo de crescimento.
O batismo, recordado nesta vigília, expressa este dinamismo pascal na vida de cada um de nós e da comunidade eclesial. Nele, dizemos que por Cristo, com Cristo e em Cristo fomos mortos e sepultados para os interesses egoístas e nascemos para uma outra realidade. Mortos para a lei que nos pede para levar vantagem em tudo e fechar os olhos à destruição do meio ambiente, somos livres para começar uma vida nova, no caminho aberto por Jesus Cristo. Morreu o velho homem, nasceu uma nova criatura!
Jesus é como uma pedra que os construtores descartaram e foi por Deus transformada em pedra de ângulo, em pedra que sustenta todo o teto em forma de abóbada. Por isso, a Páscoa pede que abramos os olhos e as portas às pessoas e grupos sociais que são descartados como desnecessários ou eliminados como incômodos. Se não os tivermos no coração das nossas preocupações e projetos eclesiais, nossa fé é construção sobre a areia, nosso amor pode virar patologia e nossa utopia se deteriora em ideologia.
Deus Pai e Mãe, que nos criastes com a dignidade de filhos e filhas e nos chamais à verdadeira liberdade. Aqui estamos com as mãos calejadas nas semeaduras e os corpos grávidos de louca esperança. Aqui viemos sem perfumes, trazendo apenas as marcas das lutas que travamos. Tua Palavra confirma que teu desejo é que todos tenhamos liberdade e vida. As testemunhas da primeira hora nos ensinam que teu filho vive e marcou encontro conosco longe dos sedutores centros de poder. Ensina-nos a afagar a terra e fecundar o chão, nesta propícia estação de renascimento. E que todos vivamos para universalizar a liberdade para a qual Cristo nos libertou. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Gênesis 1,1-2,2 * Livro do Gênesis 22,1-18 * Êxodo 14,15-15,1* Profecia de Isaías 51,1-11 * Profecia de Ezequiel 36,16-28 * Carta aos Romanos 6,3-11 * Salmo 117 (118) * Evangelho de São Mateus 28,1-10)

ANO A – MEMÓRIA DA PAIXÃO DO SENHOR – 14.04.2017

Você também quer ser discípulo deste homem?
O comércio não sabe o que fazer com a sexta-feira que os católicos chamam santa, e um clima estranho envolve as pessoas em geral, mesmo os não-cristãos. Tudo é diferente, inclusive a liturgia... Nesta sexta-feira se revela o que há de mais profundo no ser humano e de mais belo na essência de Deus. E nela o mistério do mal também atinge sua força mais terrível, a humanização de Deus atinge seu ponto mais luminoso, a entrega do ser humano a Deus se expressa em seu grau máximo. E o serviço a Deus brilha na entrega despojada e solidária a serviço do ser humano despojado de poder e de honra.
Quem faz dos próprios interesses e ambições um ídolo intocável, cedo ou tarde acaba identificando como diabólicas e ameaçadoras todas as pessoas, grupos, movimentos e entidades que pensam diferente e propõem uma ordem alternativa. Além disso, concebe estratégias para eliminá-los sem sujar as mãos, dentro dos quadros da lei, com ou sem apoio de ‘tribunais supremos’, sem se tornar impuro. Quantas leis – escritas nos códigos ou na alma dos povos – não passam de artifícios para disfarçar o domínio e a violência dos mais fortes sobre os mais fracos, de tentativas de impedir que estes vivam plenamente?
Conhecemos as tramas, traições e intrigas que levaram à prisão, condenação, tortura e morte de Jesus. São opções e atitudes que revelam o mistério do mal e sua força nas pessoas e estruturas. Um mal nada abstrato, pois se expressa nos costumes, nas leis, nos sistemas econômicos, nos medos, em todas as formas de ambição. Um mal que assume feições de cinismo, como quando as autoridades religiosas, tendo já decidido matar Jesus, não entram no palácio do governador para não se tornarem impuras. As ditaduras de todos os quadrantes criam leis iníquas no desesperado intento de que elas lavem suas mãos tintas de sangue e tornem leves a consciência que lhes pesa.
É o mistério inexplicável da iniqüidade que faz com que as trevas da noite nos envolva às três horas da tarde. Uma iniqüidade que começa não se sabe bem onde, e se expressa na afirmação de nós mesmos às custas dos outros, no desprezo de quem é diferente, no fechamento a toda e qualquer mudança, no uso do poder cultural e religioso para abusar de menores, na indiferença para com as vítimas, enfim: na defesa da ordem que protege os dominadores. Descrevendo este dinamismo maldito que nos envolve e fere, o salmista diz: “Eis que na culpa fui gerado, no pecado minha mãe me concebeu.”
Diante dos seus acusadores e algozes, Jesus não parece disposto a se debater nem se defender. Ele tem consciência de que nasceu e veio ao mundo para tornar palpável e digno de crédito o amor fiel de Deus pelas pessoas negadas em sua dignidade. Pilatos manda torturá-lo, transforma-o numa paródia de líder e o apresenta ao povo: “Eis o homem!” Nisso, sem querer, ele diz a verdade, pois a verdadeira humanidade não se mostra naqueles que rasgam constituições, roubam direitos ou depredam os biomas, mas nas vítimas destes atos irracionais e nas pessoas que contra eles se levantam.
Fixemos nosso olhar em Jesus de Nazaré, este personagem que realizou em grau pleno a vocação de todo ser humano. A criatura humana não nasceu nem vive apenas a sofrer e padecer! Em Jesus descobrimos que a pessoa humana atinge sua plenitude quando não recua diante do chamado a dar a vida, quando não abre mão da solidariedade com as pessoas negadas em sua verdade e em sua dignidade. O ser humano maduro não é o ‘amigo de César’, não é quem age sem autonomia nem liberdade e quem ordena ou cede por medo... Maduro e pleno é quem, como Jesus, é capaz de se compadecer de quem é mais frágil!
A pergunta “a quem procurais?” feita a Judas Iscariotes é dirigida por Jesus também a nós. O que esperamos ou buscamos na celebração da paixão de Jesus? Consolação nos sofrimentos inexplicáveis? Confirmação dos nossos interesses e projetos? Só nos é licito buscar forças para perseverar no seguimento de Jesus, amigo da humanidade. Só podem beijar o corpo torturado de Jesus aqueles que estão dispostos a renascer como uma nova família, não mais presa aos laços de sangue ou aos interesses mesquinhos, mas servidora e aberta a todos os humanos seres que querem viver e promover a vida.
Deus Pai e Mãe, prostrados e agradecidos diante do supremo gesto de amor do teu Filho, te pedimos: ensina-nos a permitir que Cristo viva em nós e a morrer para a indiferença que se globalizou e mata tantos seres humanos.  Ajuda-nos a assumir as conseqüências de sermos discípulos deste verdadeiro homem, e dá-nos a generosa coragem de transformar a Igreja, a sociedade e a história com o fermento da compaixão, única possibilidade de salvação do homem e do mundo. Faça que, aos pés da cruz, nossas comunidades e a Igreja como um todo cantem seu hino de humildade, amor e paz. Assim seja! Amem!

Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 52,13-53,12 * Salmo 30 (31) * Carta aos Hebreus 4,14-15; 5,7-9 * Evang. S. João 8,1-19,42)

ANO A – MEMORIA DA CEIA DO SENHOR – 13.04.2014

O pão da vida, a comunhão, nos une a cristo e aos irmãos!
Na Quinta-feira Santa celebramos a Aliança nova e eterna de Deus conosco, seu povo amado. O próprio Jesus nos diz que preparou com esmero e desejou ardentemente celebrar esta ceia conosco. Na mesa da eucaristia intuímos que nossa glória consiste em trazer em nossos sonhos, projetos e ações as marcas da cruz de Cristo, do seu amor sem fronteiras. Neste encontro de irmãos, ouvimos de novo as palavras do seu Testamento, provamos mais uma vez seu amor e, assim, continuamos sua missão no mundo.
A ceia eucarística é a memória de Jesus e dos discípulos e discípulas que, tendo atrás as inesquecíveis experiências das refeições partilhadas com toda sorte de pecadores e à frente a ameaça dos poderes que não toleram mudanças, compartilham suor e sangue, vinho e pão, sonhos e esperanças. Celebramos esta ceia e aceitamos a aliança que Deus nos oferece ainda ‘na terra do Egito’, num tempo em que nada temos a ‘temer’ senão a fuga da luta. A eucaristia é alimento para quem está a caminho.
No centro desta Ceia não está um simples cordeiro, mas um corpo feito inteiramente dom. No pão-corpo, Jesus Cristo oferece sua vida e sua utopia feitos dom e partilha. É sua vida inteira – sonhos, ações, corpo e sangue – que ele nos dá sem reservas e sem impor condições. E o faz numa ceia ordinária, numa refeição marcada pelo afeto fraterno, num contexto de ameaça de morte, pedindo insistentemente que façamos o mesmo que ele fez, para manter viva sua memória. “Fazei isso em memória de mim!”
O corpo de Cristo não é apenas o pão: é a comunidade viva dos fiéis, o povo de Deus que ultrapassa as fronteiras eclesiásticas, o corpo dos pobres e marginalizados que padecem suas chagas vivas. Mas, para além disso, é também o corpo-bioma, esse conjunto de formas de vida mineral, vegetal, animal e humana que se nos oferecem em sua beleza e diversidade harmônica e cooperativa. Por isso, participar da ceia de Jesus leva ao compromisso de encarnar a atitude de amor, de cuidado e de acolhida de Jesus, sem esquecer o protesto profético contra as injustiças e a postura firme de defesa da biodiversidade.
Jesus simboliza a oferta sem reservas de si mesmo no gesto de lavar os pés dos discípulos. Depois de repartir pão e vinho, deixa a ‘presidência’ da mesa e assume o serviço que cabe às mulheres e crianças: lava os pés dos que estão com ele à mesa. No seu gesto é o próprio Deus que se inclina diante da humanidade e, de joelhos, lava nossos pés. E não o faz simplesmente para demonstrar humildade, mas para contestar as hierarquias e afirmar a absoluta igualdade de todos os filhos e filhas de Deus.
Pedro reage diante desta lição de Jesus. Não lhe parece bem mudar as coisas de forma tão radical. Para ele, senhores e superiores devem ser honrados, servos e inferiores devem ser desfrutados. Esta seria a ordem e nada deveria ser mudado. Parece-lhe difícil aceitar que a Eucaristia exige que façamo-nos memória viva de Jesus Servo. E isso custa também a cada de nós, e muito. Mas Jesus não encena uma peça: ele é verdadeiramente Servo, e a missão que compartilha conosco é o serviço aos irmãos!
A lição é difícil e nada óbvia. É por isso que, depois de cear e de lavar os pés dos discípulos, Jesus nos interroga: “Compreendeis o que acabo de fazer?” E ele mesmo explica: “Vós me chamais de mestre e senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros.” Deus coloca tudo nas mãos de Jesus, e este ‘tudo’ se mostra nas mãos que lavam os pés, no serviço cordial e fraterno. Eis a lição eucarística do Mestre-Servo.
O desejo e a ordem de Jesus é que passemos da memória verbal e ritual da Eucaristia à sua realização histórica e vivencial: “Fazei isso em memória de mim... Se puserdes em prática, sereis felizes.” Precisamos dar conteúdo e concretude à existencial e social à Eucaristia no dom cotidiano pelos outros, no serviço despojado a todas as pessoas, mesmo àquelas que aparentemente não o merecem. O Evangelho define como critério da missão a nacessidade concreta das pessoas, e não merecimento. Que missão seria essa de ficar na superfície, entre os conhecidos, servindo aqueles que já são dos nossos?
Deus Pai e Mãe: teu Filho nos ensinou que na tua mesa há lugar para todos e não falta alimento, porque tudo é partilhado. Muito obrigado porque hoje, mais uma vez, testemunhamos que isso é verdade. Mas te agradecemos principalmente porque nesta mesa de irmãos e irmãs aprendemos até onde teu amor quer nos levar. Bendito sejais eternamente pelo dom do teu Filho na Palavra, no Pão e no Vinho e, principalmente, nas pessoas que continuam sua missão de consolar e libertar. Ajuda-nos a fazer o que ele fez, a amar como ele amou, a servir como ele serviu, a sermos Eucaristia. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Êxodo 12,1-14 * Salmo 115 (116) * 1ª. Carta aos Coríntios 11,23-26 * Evangelho de S. João 13,1-15)

quinta-feira, 6 de abril de 2017

O Evangelho dominical - 09.04.2017

NADA O PODE DETER

A execução de Joao Batista não fora algo casual. Segundo uma ideia muito disseminada pelo povo judeu, o destino que espera o profeta é a incompreensão, a rejeição e, em muitos casos, a morte. Provavelmente, Jesus contou desde muito cedo com a possibilidade de um final violento.
Mas Jesus não foi um suicida. Tampouco procurava o martírio. Nunca quis o sofrimento nem para Ele nem para ninguém. Dedicou a Sua vida a combater a doença, as injustiças, a marginalização ou o desespero. Viveu entregue a «procurar o reino de Deus e a Sua justiça»: esse mundo mais digno e ditoso para todos que procura o Seu Pai.
Se Jesus aceita a perseguição e o martírio é por fidelidade a esse projeto de Deus, que não quer ver sofrer os Seus filhos e filhas. Por isso não corre para a morte, mas tampouco se atira para trás. Não foge ante as ameaças; tampouco modifica a Sua mensagem nem se desdiz das Suas afirmações na defesa dos últimos.
Seria fácil evitar a execução. Bastaria calar-se e não insistir no que podia irritar o templo ou o palácio do prefeito romano. Não o fez. Seguiu o Seu caminho. Preferiu ser executado antes que trair a Sua consciência e ser infiel ao projeto de Deus, Seu Pai.
Aprendeu a viver num clima de insegurança, conflitos e acusações. Dia a dia foi-se reafirmando na Sua missão e continuou anunciando com clareza a Sua mensagem. Atreveu-se a difundir o Evangelho do Reino de Deus não só nas aldeias retiradas da Galileia, mas nos arredores perigosos do templo. Nada O deteve.
Morrerá fiel ao Deus em quem sempre confiou. Continuará a acolher todos, inclusive a pecadores e indesejáveis. Se acabam por O rejeitar, morrerá como um «excluído», mas com a Sua morte confirmará o que foi a toda a Sua vida: confiança total num Deus que não rejeita nem exclui ninguém do Seu perdão.
Continuará a procurar o reino de Deus e a Sua justiça, identificando-se com os mais pobres e desprezados. Se um dia O executam no suplício da cruz, reservada para escravos, morrerá como o mais pobre e desprezado, mas com a Sua morte selará para sempre a Sua fé num Deus que quer a salvação do ser humano de tudo o que o escraviza.
Os seguidores de Jesus descobrimos o Mistério último de Deus encarnado no Seu amor e entrega extrema ao ser humano. No amor desse crucificado está Deus mesmo identificado com todos os que sofrem, gritando contra todas as injustiças e perdoando os verdugos de todos os tempos. Neste Deus pode-se acreditar ou não acreditar, mas não é possível zombar Dele. Nele confiamos os cristãos. Nada o deterá no Seu empenho de salvar os Seus filhos e filhas.
José Antonio Pagola
Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

ANO A – DOMINGO DE RAMOS – 09.04.2017

Suba a Deus o nosso grito pela vida e pela paz!

O relato da entrada de Jesus em Jerusalém, solenemente proclamado no Domingo de Ramos, nos convida a abandonar toda e qualquer fantasia de poder e de sucesso que alimentamos e projetamos nele. Nesta cena não há nada de triunfal. Jesus vem da Galiléia e entra na capital do seu país politicamente dominado montado numa jumenta. Nada de cortejos de honra, de generais e cavalos vistosos, de discursos oficiais de acolhida. Jesus chega a Jerusalém como sempre foi: um servidor, um reformador inquieto, um profeta destemido e vindo dos grotões, um simples homem da Galiléia.
Jesus de Nazaré chega a Jerusalém caminhando à frente de um numeroso e desorganizado grupo de discípulos e discípulas. O povo da capital não o conhece, e mesmo assim o teme. Mas o pessoal do campo que o acompanha desde a Galileia ou que vive na periferia da capital aclama-o com entusiasmo e o acolhe como o Messias esperado. “Bendito o que vem em nome do Senhor!” Como o velho Simeão, essa gente reconheceu naquele homem que tinha ouvidos, palavras e ações libertadoras em favor dos últimos o Enviado de Deus. E isso contrasta claramente com a fria acolhida do povo de Jerusalém...
O que aquela pequena multidão de pobres e estropiados faz é aclamar o despontar do Reino messiânico inspirado em Davi e a chegada do líder enviado por Deus. Mas Jesus não realiza as ações potentes que esta ideologia apregoava! Ele é o servo paciente e o ouvinte atento da Palavra anunciado por Isaías, e é dessa escuta que brota uma palavra que desperta as pessoas adormecidas e encoraja as multidões acorrentadas pelo medo. A de Jesus será apenas o incondicional e solidário de si mesmo na cruz...
O entusiasmo daquela gente que vinha do interior ou vivia na periferia da capital não se sustentará por muito tempo. Os próprios discípulos, depois de se unirem às multidões e o saudarem como o Messias esperado, em seguida voltam atrás e o abandonam. Os gritos de ‘hosana’ – Socorro! Deus salve agora! – logo darão lugar ao insolente e violento pedido ‘Crucifica-o!’, fruto da frustração das expectativas e da manipulação interesseira das autoridades políticas e religiosas de Jerusalém.
Mas a divisão progressiva que estava se criando entre os próprios discípulos, assim como a possibilidade concreta de traição, não fazem Jesus mudar seu rumo. É verdade que ele se sente abatido e chega a se perguntar sobre o que fazer. Ele enfrenta um discernimento difícil, e pede aos discípulos que vigiem com ele. “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice...” A oração no Getsêmani foi um profundo momento de confronto com a vontade do Pai e com a traição que se desenhava no coração dos próprios discípulos.
Aquele que o cortejo havia saudado na entrada da cidade como quem vinha e agia em nome de Deus permaneceu fiel e acabou preso, abandonado pelos próprios discípulos, condenado e pregado na cruz. Tanto para os judeus como para os romanos, a crucifixão representava a completa negação do ser humano, o redundante fracasso da pretensão de liderança, a absoluta ausência de Deus, a mais radical falta de sentido. E para os discípulos, essa foi a pedra que irrompeu no meio do caminho...
As autoridades ridicularizam e desafiam Jesus a salvar a própria pele, e ele mesmo parece mergulhar num turbilhão escuro e protestar contra o abandono por parte dos próprios amigos e até por parte de Deus. Ele é envolvido pela escuridão... “Desde o meio-dia até as três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra.” Mas Jesus acaba experimentando a consolação na radicalização do dom de si mesmo: “E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto abaixo, a terra tremeu e as pedras se partiram...”
É da boca de um soldado pagão se ouve a palavra que faz brilhar uma pequena luz na escuridão que fazia em plena tarde. “Ele era mesmo Filho de Deus!” O que aquele soldado viu que os outros não viram? Viu aquilo Simeão reconhecera trinta anos antes: que Deus se revela na pequenez e na fidelidade daqueles que morrem defendendo a vida. Naquele homem descartado e pregado na cruz, mas absolutamente fiel no seu amor pelos últimos e senhor de si mesmo, o soldado viu a exaltação da humanidade de Deus, diante da qual todo corpo se inclina e todo poder despótico treme.
Jesus de Nazaré, justiceiro dos pobres e herdeiro do pequeno e humilde pastor Davi. Abre nossos ouvidos para que prestemos atenção como discípulos e dá-nos palavras adestradas para confortar as pessoas abatidas. Envia-nos teu Espírito, para que saibamos acolher-te como és e permaneçamos firmes aos pés da cruz. E agracia-nos com a alegria profunda que só experimentam aqueles que fazem contigo o caminho da descida que esvazia e despoja, o único que enriquece e liberta verdadeiramente. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profecia de Isaías 50,4-7 * Salmo 21 (22) * Carta aos Filipenses 2,6-11 * Evangelho de São Mateus 21,1-11; 27,11-54)