quinta-feira, 27 de julho de 2017

O Evangelho dominical - 30.07.2017

A DECISÃO MAIS IMPORTANTE

O evangelho recolhe duas breves parábolas de Jesus com uma mesma mensagem. Em ambos os relatos, o protagonista descobre um tesouro muito valioso ou uma perola de valor incalculável. E nos dois reage do mesmo modo: vende com alegria e decididamente o que têm e fica com o tesouro ou a perola. Segundo Jesus, assim reagem os que descobrem o reino de Deus.
Ao que parece, Jesus teme que as pessoas o sigam por diferentes interesses, sem descobrir o mais atrativo e importante: esse projeto apaixonante do Pai que consiste em conduzir a humanidade para um mundo mais justo, fraterno e ditoso, encaminhando-o assim para a sua salvação definitiva em Deus.
Que podemos dizer hoje depois de vinte séculos de cristianismo? Porque tantos cristãos bons vivem fechados na sua prática religiosa, com a sensação de não ter descoberto nela nenhum «tesouro»? Onde está a raiz última dessa falta de entusiasmo e alegria em vários âmbitos da nossa Igreja, incapaz de atrair para o núcleo do Evangelho a tantos homens e mulheres que se vão afastando dela, sem renunciar por isso a Deus nem a Jesus?
Depois do Concilio, Paulo VI fez esta afirmação rotunda: «Só o reino de Deus é absoluto. Tudo o resto é relativo». Anos mais tarde, João Paulo II reafirmou dizendo: «A Igreja não é ela o seu próprio fim, pois está orientada para o reino de Deus, do qual é origem, sinal e instrumento». O papa Francisco vem repetindo: «O projeto de Jesus é instaurar o reino de Deus».
Se esta é a fé da Igreja, porque há cristãos que nem sequer ouviram falar desse projeto que Jesus chamava «reino de Deus»? Porque não sabem que a paixão que animou toda a vida de Jesus, a razão de ser e o objetivo de toda a sua atuação, foi de anunciar e promover esse projeto humanizador do Pai: procurar o reino de Deus e a Sua justiça?
A Igreja não pode renovar-se a partir da sua raiz se não descobre o «tesouro» do reino de Deus. Não é o mesmo chamar os cristãos a colaborar com Deus no Seu grande projeto de fazer um mundo mais humano que viver distraídos em práticas e costumes que nos fazem esquecer o verdadeiro núcleo do Evangelho.
O papa Francisco diz-nos que «o reino de Deus nos reclama». Este grito chega-nos desde o coração mesmo do Evangelho. Temos de o escutar. Seguramente, a decisão mais importante que temos de tomar hoje na Igreja e nas nossas comunidades cristãs é a de recuperar o projeto do reino de Deus com alegria e entusiasmo.
José Antonio Pagola.

Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

ANO A – DÉCIMO-SÉTIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 30.07.2017

Onde está o nosso tesouro, aí está também nosso coração!
Todos já fizemos a experiência de correr riscos. Dando por descontado que viver é em si mesmo um perigo, sabemos o risco que significa escolher uma vocação, iniciar um curso superior, investir numa atividade nova, apostar todas as cartas num determinado relacionamento afetivo... Quanto mais precioso nos parece o objeto, maior é a disposição para o sacrifício e menores são ponderações e receios. Para Jesus de Nazaré, a alegria contagiante de um ser humano que recupera a autonomia e a cidadania representa um tesouro precioso e impagável, diante do qual tudo o resto parece lixo.
Na liturgia dos últimos domingos, Jesus vem nos falando do mistério do Reino de Deus através de diversas parábolas. O sonho de Deus é semelhante a um semeador que, mesmo sabendo que parte da semente se perderá, não deixa de semear. É comparável também a um plantador que, apesar de ter usado boa semente, é surpreendido pelo o capim que cresce junto com o trigo. E pode também ser comparado à semente de mostarda: apesar de sua pequenez, está na origem de um apreciável arbusto. Seu dinamismo é comparável enfim ao fermento que desaparece na farinha e faz crescer a massa...
Neste domingo, Jesus nos apresenta a imagem do trabalhador rural que encontra um precioso tesouro no campo do seu patrão. Ao encontrar o tesouro, o homem é tomado pela surpresa, pois não estava procurando nada. Então ele mantém o tesouro escondido e, sem dizer nada a ninguém e cheio de alegria, se desfaz de tudo o que tem e compra o campo que escondia o tesouro. Para um simples empregado diarista, este é um negócio ousado e arriscado, que só se justifica pelo valor que o tesouro tem ao seus olhos. Ele vende, arrisca ou perde tudo para ficar com o único bem que vale a pena.
Um segundo personagem que Jesus nos apresenta como modelo é um comerciante de pérolas preciosas. Este sim está empenhado na procura de uma pérola de grande valor e, quando a encontra, vende todos os seus bens e compra a tal pérola. Este parece ser um negócio um pouco mais seguro, mas é comparável ao anterior no que diz respeito à necessidade de vender tudo para realizá-lo. Em ambos os casos, a experiência de encontrar algo precioso desestabiliza o equilíbrio dos negócios, relativiza as propriedades e chama a arriscar. E tanto o peão como o comerciante tomam a decisão certa.
Eis o desafio para os discípulos e discípulas de Jesus: tendo descoberto a preciosidade do Reino de Deus – o valor irredutível e impagável da liberdade e da vida digna de cada pessoa em sua singularidade, o horizonte deslumbrante de um mundo de irmãos e irmãs de fato – quem segue Jesus de Nazaré é impulsionado a hipotecar ou subordinar tudo o mais – reputação, carreira, bem-estar individual e até família e religião – em função desse bem maior. Deus não tem tempo para tratar de pequenos negócios conosco. Seu projeto é vida abundante, para todos, e isso urge. É tudo ou nada. E já!
Nosso batismo pressupõe esta opção de risco. Parece que poucas pessoas têm clara consciência disso, pois se não for assim, como explicar o descompromisso com que muitas o celebram? Dá vontade de aumentar as exigências de preparação ou até interditar o batismo a quem não acorda para o compromisso que ele implica, ou transformar a igreja numa alfandega, repleta de taxas... Mas o próprio Jesus ensina que o Reino de Deus é também semelhante a uma rede lançada ao mar, que recolhe peixes bons e peixes de qualidade questionável... E nós precisamos prestar atenção à sabedoria dos pescadores!
Um pescador experiente sabe que não é sensato esperar que a rede recolha apenas peixes bons e apropriados para o consumo e o comércio. E o trabalho árduo e criterioso de separar peixes bons e peixes ruins não pode ser feito durante a pesca e em alto mar, vem depois. Mas não tiremos conclusões apressadas e superficiais... Estre trabalho de caráter judicial não é de nossa responsabilidade, nem mesmo das nossas Igrejas! Mais que pescadores, somos peixes, e não estamos seguros da nossa própria qualidade! Deixemos ao fim dos tempos e aos anjos de Deus essa difícil tarefa de separar.
Deus Pai e Mãe, amante das criaturas e condutor da história: teu projeto de comunhão solidária de todas as criaturas é o tesouro mais precioso e a herança mais comprometedora que poderias nos entregar. Teu filho é o verdadeiro doutor da lei, aquele que aprendeu e ensinou o mistério do teu Reino: ele sabe vasculhar o baú da história e tirar dele coisas novas e velhas, e nos convida a fazer o mesmo. Dá-nos, Senhor, Sabedoria para distinguir o bem do mal e praticar a justiça, convictos de que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus e o próximo. Dá-nos, enfim, a alegre ousadia de investir com imensa generosamente tudo o que somos e temos no teu sonho de igualdade e libertação. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
                (1° Livro dos Reis 3,5-12 * Salmo 118 (119) * Carta de Paulo aos Romanos 8,28-30 * Evangelho de São Mateus 13,44-52)

sexta-feira, 21 de julho de 2017

O Evangelho dominical - 23.07.2017

IMPORTÂNCIA DO PEQUENO

Ao cristianismo foi muito prejudicial ao longo dos séculos o triunfalismo, a sede de poder e a ânsia de impor-se aos seus adversários. Todavia há cristãos que anseiam por uma Igreja poderosa que encha os templos, conquiste as ruas e imponha a sua religião à sociedade inteira.
Temos de voltar a ler as pequenas parábolas nas quais Jesus deixa claro que a tarefa dos Seus seguidores não é construir uma religião poderosa, mas colocar-se ao serviço do projeto humanizador do Pai – o reino de Deus – semeando pequenas «sementes» de Evangelho e introduzindo-as na sociedade como «fermento» de uma vida humana.
A primeira parábola fala de um grão de mostarda que se semeia na horta. Que tem de especial esta semente? Que é a mais pequena de todas, mas, quando cresce, converte-se num arbusto maior que as demais hortaliças. O projeto do Pai tem um início muito humilde, mas a sua força transformadora não a podemos agora nem imaginar.
A atividade de Jesus na Galileia semeando gestos de bondade e de justiça não é nada de grandioso nem espetacular: nem em Roma nem no Templo de Jerusalém são conscientes do que está a suceder. O trabalho que seus seguidores realizamos hoje também parece insignificante: os centros de poder ignoram-no. Inclusive os mesmos cristãos, podemos pensar que é inútil trabalhar por um mundo melhor: o ser humano volta uma e outra vez a cometer os mesmos horrores de sempre. Não somos capazes de captar o lento crescimento do reino de Deus.
A segunda parábola fala de uma mulher que introduz um pouco de fermento numa grande massa de farinha. Sem que ninguém saiba como, a levedura vai trabalhando silenciosamente a massa até a fermentar por completo. Assim sucede com o projeto humanizador de Deus: uma vez que é introduzido no mundo vai transformando silenciosamente a história humana. Deus não atua impondo-se a partir de fora ou de cima. Humaniza o mundo atraindo as consciências dos seus filhos para uma vida mais digna, justa e fraterna.
Temos que confiar em Jesus. O reino de Deus sempre é algo humilde e pequeno nos seus inícios, mas Deus está já a trabalhar entre nós promovendo a solidariedade, o desejo de verdade e de justiça, a ânsia de um mundo mais belo e feliz. Temos de colaborar com Ele seguindo Jesus. Uma Igreja menos poderosa, mais desprovida de privilégios, mais pobre e mais próxima dos pobres sempre será uma Igreja mais livre para semear sementes de Evangelho e mais humilde para viver no meio das pessoas como fermento de uma vida mais digna e fraterna.
José Antonio Pagola

Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

quinta-feira, 20 de julho de 2017

ANO A – DÉCIMO-SEXTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 23.07.2017

A luta pela justiça é o que resgata a nossa humanidade!
Como a história do semeador, as parábolas do trigo e do joio, da semente de mostrada e do fermento estão situadas na parte do evangelho de Mateus que trata do dinamismo do Reino de Deus. É o momento em que os discípulos se perguntam se o Reino proposto por Jesus Cristo é realmente uma boa semente, se tem força e futuro. A experiência deles e nossa é de que, apesar de todos os esforços e bons propósitos, o resultado do nosso empenho é sempre ambivalente, insuficiente e preocupante. Tudo parece marcado pela ambiguidade e pela contradição. As coisas começam bem, mas depois se desviam do rumo...
A ambivalência tem suas raízes nas dimensões inconscientes do ser humano, e a oposição faz parte da condição humana e coexiste com as boas iniciativas. Sempre existiram forças que se opõem ao processo de humanização, embora sejam incapazes de impedir seu florescimento. Mas Jesus não se preocupa em pesquisar e debater a origem desse mal que contamina todas as iniciativas, projetos e instituições humanas e sociais.  Ele simplesmente diz que numa noite, “quando todos dormiam”, um adversário semeou joio no meio do trigo. Ele é lucido ao constatar que o mal faz parte da condição humana.
É interessante perceber que, segundo a parábola, é apenas quando a boa semente do Reino se desenvolve que a ambivalência se faz notar. O mal que se opõe à justiça do Reino não é uma força absoluta, congênita, comparável ou superior ao bem. É uma força sempre relativa, identificável no confronto com os valores e práticas de Jesus Cristo e seus discípulos. Ela provoca confusão e nos rouba forças que poderiam ser empenhadas noutras coisas, mas não é original e nem tem futuro.
O zelo pela projeto de Deus às vezes provoca em nós uma santa ira, e nosso desejo é pegar foices e facões e extirpar da sociedade a injustiça e da Igreja a ambiguidade, cortando o mal pela raiz. Esta seria uma solução relativamente fácil se o joio estivesse apenas fora de nós, nas estruturas sociais, e se fôssemos pessoas incorruptíveis, sem ambivalências e sem contradições. Mas o integrismo costuma se mostrar burro, irracional e violento. É preciso ter paciência e esperar que as coisas fiquem mais claras...
Jesus propõe duas outras parábolas, nas quais contrapõe a notável pequenez da semente de mostarda e do fermento ao arbusto frondoso e à massa levedada que produzem. Estas parábolas são uma resposta às perguntas que frequentemente nos fazemos: será que o amor, a ternura, a bondade e a compaixão não são ações insignificantes, pequenas e demasiadamente frágeis frente à injustiça e à opressão? Teremos que nos contentar em sermos sempre uma minoria que age apenas para reparar danos?
Para os grandes Roma, de Jerusalém e de todos os centros de poder, inclusive Brasília, a semente ou o fermento do Reino de Deus é insignificante e sem futuro. Não faltam pessoas e grupos que, em nome da eficácia histórica, propõem uma Igreja mais forte e potente, capaz de medir forças ou negociar com os impérios de plantão. Mas a proposta de Jesus é outra: crer e confiar na força dos fracos, na fecundidade invencível do amor solidário, no dinamismo revolucionário da profecia e do testemunho.
A pergunta, porém, ressurge insistente: isso não foi sempre um romantismo inconsequente, um sonho adolescente? Jesus responde a este questionamento chamando nossa atenção para o mundo doméstico e feminino. Precisamos aprender da ação silenciosa, escondida e demorada do fermento que a cozinheira mistura à farinha. Ninguém ousaria afirmar que a ação do fermento é ineficaz! Mas, para ser eficaz, o fermento do Reino de Deus precisa entrar em contato com a farinha e perder-se na massa...
Esta parábola do Reino completa o que naturalmente falta às anteriores. Cada parábola quer evidenciar um aspecto do dinamismo do Reino de Deus. Aquela do trigo e do joio e a outra da rede nos chamam à paciência e ao discernimento. A história da semente de mostarda nos ensina a confiança nos meios aparentemente pequenos e frágeis. E a parábola do fermento nos interpela ao engajamento lúcido e transformador, a gastar-se na ação de solapar as bases de impérios que excluem e matam.
Jesus de Nazaré, incansável pregador do Reino de Deus, teimoso construtor de um Novo Mundo! Concede aos teus filhos e às Igrejas que anunciam teu Reino um zelo sábio e respeitoso. Ensina-nos a atuar como o fermento, a “corromper” o tecido social que mantém o reino dos mais fortes, a criar micro-organismos portadores de uma nova ordem social, geradores de novos homens e novas mulheres. Dá-nos a coragem de perdermo-nos na luta, com a força do teu Espírito e da tua Palavra, sem medos e sem integrismos. E ajuda-nos a descobrir o infinito e fecundo valor da pequenez, da minoridade.  Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
     (Livro da Sabedoria 12,13-19 * Salmo 85 (86) * Carta aos Romanos 8,26-27 * Evangelho de São Mateus 13,24-33)

sexta-feira, 14 de julho de 2017

O Evangelho dominical - 16.07.2017

SEMEAR
Ao terminar o relato da parábola do semeador, Jesus faz esta chamada: «O que tem ouvidos para ouvir que ouça». Pede-nos que prestemos muita atenção à parábola. Mas, em que temos prestar atenção? No semeador? Na semente? Nos diferentes terrenos?
Tradicionalmente, os cristãos temos fixado nossa atenção quase exclusivamente nos terrenos em que cai a semente, para rever qual é a nossa atitude ao escutar o Evangelho. No entanto é importante prestar também atenção ao semeador e ao seu modo de semear.
É o primeiro que diz o relato: «Saiu o semeador a semear». Age com uma confiança surpreendente. Semeia de forma abundante. A semente caí e caí por todas as partes, inclusive onde parece difícil que possa germinar. Assim o faziam os camponeses da Galileia, que semeavam inclusive à beira dos caminhos e em terrenos pedregosos.
Às pessoas não lhes é difícil identificar o semeador. Assim semeia Jesus a Sua mensagem. Veem-no sair todas as manhãs a anunciar a Boa Nova de Deus. Semeia a Sua Palavra entre as pessoas simples, que a acolhe, e também entre os escribas e fariseus, que a rejeitam. Nunca se desalenta. A Sua sementeira não será estéril.
Sobrecarregados por uma forte crise religiosa, podemos pensar que o Evangelho perdeu a sua força original e que a mensagem de Jesus já não tem garra para atrair a atenção do homem ou da mulher de hoje. Certamente, não é o momento de «colher» êxitos chamativos, mas de aprender a semear sem nos desalentarmos, com mais humildade e verdade.
Não é o Evangelho o que perdeu força humanizadora; somos nós os que o estamos anunciando com uma fé débil e vacilante. Não é Jesus o que perdeu poder de atração. Somos nós os que o desvirtuamos com as nossas incoerências e contradições.
O papa Francisco diz que, quando um cristão não vive uma adesão forte a Jesus, «depressa perde o entusiasmo e deixa de estar seguro do que transmite, falta-lhe força e paixão. E uma pessoa que não está convencida, entusiasmada, segura, apaixonada, não convence ninguém».
Evangelizar não é propagar uma doutrina, mas fazer presente no meio da sociedade e no coração das pessoas a força humanizadora e salvadora de Jesus. E isto não se pode fazer de qualquer forma. O mais decisivo não é o número de pregadores, catequistas e professores de religião, mas a qualidade evangélica que podemos irradiar os cristãos.
O que contagiamos? Indiferença ou fé convencida? Mediocridade ou paixão por uma vida mais humana?
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

terça-feira, 11 de julho de 2017

ANO A – DÉCIMO-QUINTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 16.07.2017

Não deixemos de lançar as sementes de um mundo solidário!
Aquele havia sido um dia cheio, intenso e tenso: Jesus discutira a respeito da primazia da pessoa humana sobre os sistemas legais; curara um doente e marginalizado em dia proibido; devolvera a liberdade a uma pessoa possuída pelo demônio; fora acusado de agir em nome do diabo; alargara os laços da sua própria família. Então, saindo de casa, ganhou o espaço público e procurou descanso nas margens do mar da Galileia. Mas não teve sucesso: uma multidão se reuniu ao seu redor, e ele começou a falar do mistério do Reino de Deus, das forças que se lhe opõem e da sua garantida eficácia.
A ideia do Reino de Deus, ou Reino dos céus como Mateus prefere denominar para distingui-lo dos reinos comumente conhecidos, ocupa um lugar central na vida e no anúncio de Jesus de Nazaré. Colocar em ação o governo de Deus, libertar as mulheres e homens de todas as formas de dominação, este era o valor absoluto e precioso que iluminava sua pregação e sua ação. Jesus iniciara sua missão pública com este anúncio: “O Reino de Deus está próximo. Acreditem nesta boa notícia e se convertam”. E agora começa seu ensino sobre o Reino de Deus evocando a figura dos diaristas que trabalham no campo.
A missão de construir um mundo justo e fraterno é ainda hoje uma tarefa quase que artesanal, uma tarefa de semeador, ou um trabalho de parto. A força do Evangelho não lhe vem do poder de impor, da constrição da lei, do poder do dinheiro ou do exército. A força da Palavra do Reino vem unicamente de Deus e do testemunho de solidariedade e da perseverança daqueles que a proclamam. E como esse testemunho nem sempre encontra bons terrenos para germinar, muita gente engajada, de ontem e de hoje, se pergunta: não é ingrato e inócuo esse trabalho de anunciar e construir o Reino de Deus?
É frequente a sensação de que a empreitada é muito grande e de que os trabalhadores são poucos. É dura a percepção de que os inúmeros ensaios e iniciativas que desejam pôr em movimento uma nova humanidade e uma nova sociedade são gestações abortadas, gemidos inócuos, esforços perdidos, sementes que caem à beira da estrada e logo desaparecem. A falha parece não estar nos semeadores e a qualidade da semente parece boa. O que acontece é que a construção do reinado de Deus é uma luta sem tréguas contra outros regimes ou reinados. O Reino de Deus não vem sem luta, sem oposição.
A semeadura é sempre um risco, mas ouvimos de Jesus Cristo que o mundo não é naturalmente mau, pois o mal entrou no mundo depois de ele ter sido criado. É possível o aperfeiçoamento e a transformação da sociedade na perspectiva do Reino de Deus. E, apesar das sementes que se perdem, continuamos a semeadura e a luta, certos de que colheita haverá. É verdade que três quartos da semente se perde ou não chega e produzir frutos, mas uma quarta parte produz sozinha o que se esperava de toda a semente! O bom semeador sabe contar com isso, quem se apaixona pelo Reino acredita nisso.
E tem mais: precisamos contar com o ciclo próprio de algumas sementes que, plantadas hoje, só vão germinar no tempo propício. Há sementes que permanecem anos e anos escondidas no ventre da terra, e quando o ambiente se apresenta favorável, rompem a casca e as plantas emergem com força e vitalidade. Feliz quem compreende este mistério e nunca deixa de apostar na força da semente plantada na terra, na vida da gente! Feliz quem não se rende às oposições e perseguições! Que este Evangelho, bom e belo, não passe por nós sem deixar um sinal, sem tocar uma corda da nossa vida...
Acreditemos: a semente do Reino de Deus tem futuro! O que não tem futuro é este velho e mórbido hábito de querer salvar-se a si mesmo, de cuidar apenas de si e não se importar com ninguém, de poder mais para chorar menos, de cortar direitos dos pobres para locupletar os ricos... Este sistema só produz exclusão e sofrimento, e o faz em nome do combate à corrupção para esconder suas garras e mentiras. Mas, por isso mesmo, tem os dias contados. A dor existe sim, e faz gemer nossa carne, mas Paulo ensina que a dor de quem se engaja na semeadura não é uma dor de morte: é uma dor de parto. A dor da morte é a dor do vazio, do nada, do fim. A dor do parto é a dor da plenitude, da vida, do começo.
Deus do Reino, Semente de vida, Esperança dos sonhadores inconformados: visita nossas mentes, casas e Igrejas e repete de novo tua lição essencial de que semear é preciso, mas a colheita não nos cabe; de que sem o risco da semeadura não haverá colheita, nem futuro. Faz com que a Semente do Teu Reino deixe os catecismos, doutrinas e Igrejas e seja lançada na terra, em todas as terras, sem nenhum receio de que se perca, para que corra o risco de frutificar. E vem em nosso auxilio para que, à nossa passagem e com nosso trabalho, tudo e todos ao nosso redor cantem e gritem de alegria. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
  (Profecia de Isaias 55,10-11 * Salmo 64 (65) * Carta de Paulo aos Romanos 8,18-23 * Evangelho de São Mateus 13,1-23)

quinta-feira, 6 de julho de 2017

O Evangelho dominical - 09.07.2017

TRÊS CHAMADAS DE JESUS

O evangelho de Mateus recolheu três chamadas que temos de escutar com atenção como seus seguidores de Jesus, pois podem transformar o clima de desalento, cansaço e aborrecimento que por vezes se respira em alguns sectores das nossas comunidades cristãs.
«Vinde a mim todos os que estais fatigados e oprimidos, e Eu os aliviarei».
É a primeira chamada. Está dirigida a todos os que vivem a sua religião como uma carga pesada. Não são poucos os cristãos que vivem oprimidos pela sua consciência. Não são grandes pecadores. Simplesmente foram educados para ter sempre presente o seu pecado e não conhecem a alegria do perdão contínuo de Deus. Se se encontram com Jesus irão sentir-se aliviados.
Há também cristãos cansados de viver a sua religião como uma tradição gasta. Se se encontram com Jesus aprenderão a viver confiando num Deus Pai. Descobrirão uma alegria interior que hoje não conhecem. Seguirão Jesus não por obrigação, mas por atração.
«Carregai com o Meu jugo, porque é suportável, e a minha carga, ligeira».
É a segunda chamada. Jesus não sobrecarrega ninguém. Pelo contrário, liberta o melhor que há em nós, pois propõem vivermos fazendo a vida mais humana, digna e sã. Não é fácil encontrar um modo mais apaixonante de viver.
Jesus liberta de medos e pressões, não os introduz; faz crescer a nossa liberdade, não as nossas servidões; desperta em nós a confiança, nunca a tristeza; atrai-nos para o amor, não para as leis e preceitos. Convida-nos a viver fazendo o bem.
«Aprendei de mim, que sou simples e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas vidas».
É a terceira chamada. Temos de aprender de Jesus a viver como Ele. Jesus não complica a vida. Torna-a mais clara e simples, mais humilde e mais sã. Oferece descanso. Não propõe nunca aos seus seguidores algo que Ele não tenha vivido. Por isso pode entender as nossas dificuldades e os nossos esforços, pode perdoar as nossas faltas de jeito e erros, animando-nos sempre a levantar-nos.
Temos de centrar os nossos esforços em promover um contato mais vital com Jesus nas nossas comunidades, tão necessitadas de alento, descanso e paz. Entristece-me ver que é precisamente o seu modo de entender e de viver a religião que conduz a não poucos, quase inevitavelmente, a não conhecer a experiência de confiar em Jesus. Penso em tantas pessoas que, dentro e fora da Igreja, vivem «perdidas», sem saber a que porta chamar. Sei que Jesus poderia ser para elas a grande notícia.
José Antonio Pagola

Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

quarta-feira, 5 de julho de 2017

ANO A – DÉCIMO-QUARTO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 09.07.2017

É tempo de rever nossas imagens distorcidas de Deus...
Falar de Deus é uma das atividades humanas mais apaixonantes e, ao mesmo tempo, mais perigosas, pois trata-se de dizer uma palavra sobre o mais profundo arquétipo do imaginário coletivo da humanidade. O risco de projetar em Deus nossos medos, tabus e interesses é bem real, e muito grande. É bom lembrar que toda palavra que dizemos sobre Deus permanece sempre uma palavra humana e limitada. A própria Palavra revelada é uma palavra de Deus inserida nas palavras humanas, e vem marcada por seus condicionamentos e possibilidades.
Na tradição dos hebreus, conhecer a Deus é entrar em relação com Ele, assimilar Sua vontade como um projeto e um caminho para nossas decisões, ações e relações. E isso significa romper com o estreito limite dos nossos interesses e medos e abrir-se a um horizonte no qual todas as criaturas são aceitas na sua dignidade inegociável. Dito de outra forma: conhecer Deus significa reconhecer-se filho ou filha, assumir-se como alguém que não tem origem em si mesmo e na própria vontade, mas num Outro e num Além que lhe desperta e dá o ser. Tanto como sujeitos de nós mesmos, somos fruto do amor de outros...
Hoje temos consciência de que a imagem de um Deus violento e vingador não passa de um revestimento religioso dos infantis e imaturos medos e desejos de onipotência. Mesmo que alguns traços de um Deus violento e sanguinário estejam espalhados na própria bíblia, especialmente no Antigo Testamento, não podemos sobrepô-los aos traços mais originais, que são exatamente o oposto, e são definitivamente avalizados e radicalizados pela vida e pelo ensinamento de Jesus Cristo. Que isso esteja muito claro: o cristianismo não dá a mínima chance a uma teologia da punição e da violência.
Por isso, não consigo entender como foi possível termos chegado a aproximar e identificar Jesus Cristo com a figura dos reis! Sua vida não mostra exatamente o contrário? Em Jesus Cristo, Deus mostra que prefere os estábulos aos palácios, as manjedouras aos tronos, a cruz à espada, a compaixão ao poder, os discípulos e discípulas aos exércitos alinhados, os pobres e doentes aos séquitos reais... E o pior é que nossa sede de realeza ainda hoje se encarna num anacrônico regime monárquico que rejeita o menor indício de democracia ou participação. Isso denota nossas dívidas para com a carne, como diz Paulo!
Nas cenas que precedem o evangelho deste domingo, diante da pergunta dos emissários de um João Batista um pouco confuso sobre os traços do seu messianismo, Jesus responde chamando atenção para aquilo que está fazendo: cegos recuperam a vista, coxos andam, leprosos são purificados, surdos ouvem, mortos ressuscitam e pobres recebem boas notícias. E arremata: “Feliz aquele que não se escandalizar por minha causa!” Sim, porque havia gente que tropeçava nestas ações de Jesus, por considerá-las insignificantes ou inoportunas... Também eles esperavam o messias sob as vestes de um grande rei...
Depois dessa cena, Jesus prosseguiu sublinhando a falta de adesão e de resposta das cidades de Israel ao anúncio e às ações que aproximavam o reinado de Deus em favor dos pequenos. Neste contexto, podemos entender melhor a exultação profética de Jesus ao contemplar a fé límpida e a adesão operosa dos discípulos e do povo simples. “Eu te louvo, o Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas a sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado.” Eles sim entenderam que a proposta de Jesus não é pesada, nem causa de tropeço...
Jesus termina lançando um convite: “Venham para mim todos vocês que estão cansados e eu lhes darei descanso!” O cansaço nos vem da desilusão com os grupos e partidos que, abocanhando por golpe uma fatia de poder, fazem o contrário daquilo que pregavam. Mas nosso cansaço tem também uma raiz eclesial, e vem de uma Igreja que, em parte, tem medo da participação popular e receio de se encarnar nas dores e tristezas, alegrias e esperanças dos homens e mulheres de hoje. Dói demais a ferida de uma Igreja que ambiciona privilégios e ainda é submissa aos instintos egoístas...
Deus Pai e Mãe, em Jesus nos revelas que és mais misericórdia que poder e mais compaixão que lei. Dá-nos teu Espírito, para que te descubramos como um peregrino que pedes um copo de água e que, por isso, não nos esmaga com o peso da lei e não nos assustas com uma verdade abstrata. Revela-nos a mansidão que suscita um empoderamento embasado e sustentado na compaixão e da solidariedade. Desperta em nós a profética coragem de denunciar a injustiça que o governo vem perpetrando contra os poucos direitos do seu povo. Impõe sobre nós teu leve fardo, aquele que corresponde aos nossos mais profundos anseios: externar a ternura, exercitar a amizade, experimentar a partilha, treinar a gratuidade. Amém! Assim seja!

Itacir Brassiani msf
(Profecia de Zacarias 9,9-10 * Salmo 144 (145) * Carta de Paulo aos Romanos 8,9-13 * Evangelho de São Mateus 11,25-30)