sexta-feira, 19 de abril de 2024

A luz do Evangelho na vida de cada dia (325)

325 | Ano B | 3ª Semana da Páscoa | Sábado | João 6,60-69

20/04/2024

Tornou-se recorrente reduzir o “diálogo catequético” de Jesus, que meditamos durante toda a semana que está terminando, a uma inofensiva e evasiva doutrina sobre a eucaristia. O trecho de hoje, que é o desfecho desse diálogo, não deixa dúvidas sobre seu caráter profético, exigente e provocador do ensino de Jesus, tanto que faz os discípulos desabafarem: “Estas Palavras são duras demais! Quem poderá continuar ouvindo isso?” Alguém reagiria assim diante de uma simples catequese “espiritual” sobre a Eucaristia?

A reação de Jesus não é adocicar seu anúncio para não perder ouvintes e seguidores. Frente aos discípulos que acham seu ensino insuportável, murmuram escandalizados, que só conseguem esperar de Jesus sucesso e triunfo, que conseguem apenas entender sinais de poder, que se rebelam e pensam em desertar, Jesus reage com mais uma provocação frontal: “Entre vós há alguns que não creem... Vós também não quereis ir embora?”

Parece que Jesus prefere ficar sozinho a contar com discípulos pela metade, mais firmes em suas próprias ambições e medos que na proposta de Jesus, centrada no dom solidário de si mesmo pela vida do mundo. Entre os Doze há quem não seja fiel na adesão a Jesus e na amizade com ele, é inimigo e causador de divisão e não consegue se afastar de um projeto contrário ao de Jesus.

Os Doze, representados por Pedro, intuem que, por mais duras que sejam as palavras, e por mais exigente que seja o caminho proposto por Jesus, não há vida que valha a pena longe ou fora dele: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. Mesmo cercados de dúvidas, eles percebem o que é essencial.

Se antes Jesus se dirigia às multidões e aos líderes dos judeus, agora dirige-se aos discípulos. Na verdade, todo a catequese é dirigida virtualmente a eles, desde a convocação a ajudar a saciar a fome da multidão até a provocação a tomar a decisão radical de ficar com ele ou deixá-lo. Apesar da resposta firme dada na voz de Pedro, eles tropeçarão, cairão e recomeçarão. Como nós!

 

Meditação:

·    Recomponha na memória este trecho final da catequese pascal que Jesus desenvolve para a multidão, mas com ênfase aos discípulos

·    Será que a assimilação profunda e integral da proposta e do caminho de Jesus também não deveria nos deixar preocupados/as?

·    O que pensar de pessoas que dedicam horas e horas à adoração eucarística, mas mostram total indiferença diante do próximo?

·    O que nos mantém firmes no caminho de assimilação da proposta de Jesus e impede que abandonemos seu barco?

·    Qual é a “palavra”, gesto ou ensinamento de Jesus que, para você, tem mais sabor e dinamismo de vida plena?

quinta-feira, 18 de abril de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (324)

324 | Ano B | 3ª Semana da Páscoa | Sexta-feira | João 6,52-59

19/04/2024

Neste penúltimo trecho da “catequese” que Jesus após o sinal da multiplicação dos pães e dos peixes, a discussão se concentra na vulnerabilidade da condição humana de Jesus (sua “carne” e seu “sangue”). No centro da polêmica está a questão do caminho que assegura a vida plena: este caminho é a Lei (o ditado de Deus) ou a pessoa humana concreta e frágil de Jesus (o enviado do Pai)?

O judaísmo chamava “Lei” ao conjunto de valores e práticas (atitudes, mandamentos e proibições) que garantiam que uma pessoa fosse boa, ou seja, garantiam a salvação. É o que hoje chamamos de ideologia: conjunto de fins e meios, valores e práticas que nos torna “pessoas de bem”, diferentes e melhores que os outros. Hoje, são leis como “cada um pra si”; “quem pode mais chora menos”; “direitos humanos são para os humanos direitos”; e assim por diante.

Os líderes do judaísmo consideraram incompreensível e inaceitável que Jesus Cristo, em sua concretude e humana fragilidade (“carne e sangue”) pudesse ser o caminho para o bem-viver, para ser agradável a Deus. Para eles, não existia outro caminho senão o poder, a separação, a supremacia de uns sobre outros, a distância em relação àqueles “que não rezam pela cartilha deles”.

Jesus, por sua parte, insiste que não há caminho para a vida abundante que não passe pela assimilação daquela compaixão que o faz irmão e servidor da humanidade, especialmente das pessoas excluídas, a ponto de dar a própria vida. Isso fica claro na expressão “carne e sangue”, que Jesus repete quatro vezes. É na sua paixão e morte que ele dá seu corpo e sangue e se torna pão para a vida do mundo. Salva-se quem assimila sua humanidade.

Assim, Jesus de Nazaré, o Enviado do Pai para dar vida ao mundo, o Filho do Homem que demonstra em sinais a compaixão de Deus especialmente pelas pessoas e grupos mais oprimidos e sofredores, assume e supera o Antigo Testamento, mostra que a Lei caducou. O amor incondicional de Jesus, assimilado por seus discípulos, é o que dá vida ao mundo. Quem come deste “pão”, viverá eternamente, e saciará a fome e a sede da humanidade.

 

Meditação:

·    Recomponha na memória este trecho da catequese pascal que Jesus desenvolve para a multidão que o procura

·    O que significa a insistência de Jesus, que fala quatro vezes em “comer” sua carne e “beber” seu sangue?

·    Será que não nos enganamos ainda hoje, pensando que o que nos salva é o “poder” de Jesus, e não sua compaixão e humanidade?

·    Em que apostamos “todas as nossas fichas”, porque cremos que somente isso nos dá vida e salvação?

·    O que significa viver “por causa de Jesus”, assim como ele viveu “por causa do Pai” que vive e o enviou?

quarta-feira, 17 de abril de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (323)

323 | Ano B | 3ª Semana da Páscoa | Quinta-feira | João 6,44-51

18/04/2024

Nesta quarta parte da sua catequese sobre o verdadeiro pão, Jesus enfrenta o escândalo que suas ações e suas declarações causam nos judeus. Ele volta a comparar a si mesmo com o maná com o qual Deus alimento o povo hebreu no seu êxodo, mas aproveita a oportunidade e aborda também a questão do dinamismo da fé, da sua origem divina e da qualidade das ações que realiza.

Os “judeus” aos quais se refere o texto de João não são as pessoas que vivem Israel, mas aqueles que resistem em reconhecer os sinais de Deus e aderir a ele, onde quer que estejam e qualquer que seja sua nacionalidade. No deserto, os “judeus” reclamaram do maná, chamando de “alimento nojento”, e não o reconheceram como sinal do amor de Deus. Agora, reclamam de Jesus, “filho de José”, que, aos olhos deles, não goza de nobreza para ser filho de Deus.

A busca de Deus, o encontro com ele, e a adesão prática ao seu querer tem um dinamismo: parte de Deus, que atrai a ele; e supõe nossa disponibilidade e a docilidade. Deus nada faz sem nossa livre adesão, mas pouco ou nada de bom realizamos se ele não nos atrair. É o que Jesus experimentou como Filho, e nos revelou. Quem se deixa atrair por Deus precisa reconhecê-lo em sua condição humana, tal como se manifesta na compaixão humana do “filho de José”.

Desde sempre, o que Deus mais deseja e faz é encontrar mil formas de vir ao encontro do ser humano para ajuda-lo e fazê-lo mais humano. Esta vontade e este dinamismo se tornam definitivos e insuperáveis em Jesus Cristo. Mas os “judeus”, ou incrédulos de todos os tempos, queremos dissocia-lo da humanidade de Jesus e afastá-lo da condição humana. Essa falta de fé atesta que não conhecemos (não “vimos”) a Deus.

A aceitação da condição humana fragilizada, radicalmente assumida por Jesus, é o único caminho que pode nos conduzir à vida. Ele, o filho de José, aquele que acolhe pecadores e proscritos, aquele cuja compaixão é sempre viva e ativa, é pão que desce, sacia nossa fome de plenitude e plenifica a vida. Sem esse reconhecimento e aceitação dessa “carne” de Jesus, a vida continua estreita, limitada, precária, “severina”.

 

Meditação:

·    Releia atentamente essa dura e exigente “catequese” de Jesus, evitando concluir sem mais que ele fala simplesmente da eucaristia

·    Será que nós fazemos parte do grupo dos “judeus”, dos incrédulos que não aceitam a condição e a compaixão humana de Jesus?

·    Este Jesus, “filho de José”, irmão universal, amor incondicional e rebeldia profética, é o Deus que nos atrai?

·    Teríamos suficiente sinceridade para dizer aquilo que, em Jesus, nos escandaliza e desestabiliza?

terça-feira, 16 de abril de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (322)

322 | Ano B | 3ª Semana da Páscoa | Quarta-feira | João 6,35-40

17/04/2024

Na terceira parte da catequese sobre o verdadeiro pão, Jesus convida enfaticamente à fé, a reconhecer que ele – o galileu, o carpinteiro, o filho de José e de Maria – é o enviado de Deus, o pão vivo e verdadeiro que desceu do céu. E pede aos seus interlocutores uma confiança fundamental nele e no seu Evangelho, que lhe deem crédito, que aceitem sua verdade. Trata-se de crer que Deus está nele e age nele.

Mas essa fé ou adesão a Jesus não é um ato voluntarista, ritual ou idílico. É uma decisão que tem uma base, um fundamento e um dinamismo: a vontade do Pai, e essa vontade é que nenhum/a filho/a seu se perca, que ninguém perca as condições materiais para viver, nem o sentido da vida. A vontade do Pai é clara: que toda pessoa que vê o Filho e nele crê tenha vida eterna. É para tornar isso possível e palpável que o Filho “desceu”.

Jesus é doador e fonte de vida, e não um limitador da vida (como é a Lei) ou um juiz pronto a identificar e punir culpados. Ele é o pão da vida, e quem vai a ele não terá outra fome. Mas é preciso ir ao encontro dele, aceitar seu caminho, entender a convocação que se esconde em cada sinal que ele realiza. Porém, Jesus constata um pouco desolado: “Vós me vistes, mas não acreditais...”

Jesus afirma com clareza que não afasta nem trata com descaso ou dureza aqueles/as que o Pai confia a ele e o procuram, aqueles/as que decidem percorrer seu caminho e fazer parte do seu povo. Estes/as não perderão nada, nem se perderão; ao contrário, ganharão tudo. Jesus promete que ressuscitará estes/as seguidores/as “no último dia”, o sétimo dia da criação, o ápice da criação saída do coração de Deus.

A expressão “no último dia” é também uma referência à sexta-feira, ao dia da doação total e radical de Jesus na cruz, que ele “abraça livremente”. É do alto da cruz, em meio a duas outras vítimas com as quais se solidariza, que Jesus revela até onde vai o amor do Pai, perdoa os seus próprios assassinos e, por isso, pode declarar: “Tudo está consumado!” Ele é a criação consumada, madura e libertada, o doador da vida no qual todos/as renascemos. É em gestos semelhantes a esse que nos tornamos semelhantes a Deus

 

Meditação:

§  Releia atentamente essa dura e exigente “catequese” de Jesus, evitando concluir sem mais que ele fala simplesmente da eucaristia

§  Será que não estamos entre aqueles/as que viram, mas não acreditam, que não permitem que Jesus e seu Evangelho guie suas opções e organizem seus valores e prioridades?

§  Será que não corremos o risco de evitar o renascimento no amor incondicional e sem medidas, e transformamos o “último dia” na última coisa que seríamos capazes de aceitar?

segunda-feira, 15 de abril de 2024

A luz do |Evangelho em nossa vida (321)

321 | Ano B | 3ª Semana da Páscoa | Terça-feira | João 6,30-35

16/04/2024

Na segunda parte da catequese sobre o pão, que tem as marcas do debate e da controvérsia, a multidão exige de Jesus um sinal de sua divindade, como o sinal do maná, na travessia do deserto. Jesus diz que ele mesmo é este sinal, e que maná seria apenas um símbolo que remete a ele, que é o dom superior e definitivo de Deus. Nele, o Deus poderoso se apresenta vulnerável e frágil, acessível e próximo. Mas este ensino de Jesus resolve pouco, e a multidão murmura.

“Que sinal fazes para que possamos crer em ti? Que obra fazes?”, questiona a multidão. Aquela gente não havia entendido o sinal do pão. E acrescenta, quase como uma acusação a Jesus: “Nossos pais comeram o maná no deserto”. Esperam de Jesus obras mais espetaculares, que impressionem e resolvam suas necessidades sem deles exigir compromisso.

Jesus responde destacando que a crença e expectativa do povo é baseada numa falsa compreensão do passado. É preciso olhar para o presente e reconhecer os sinais que Deus está realizando agora, e em favor do seu povo hoje. “Não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos o verdadeiro pão do céu”! Jesus põe a ênfase no presente, e nos interlocutores que o questionam.

Jesus passa, então, a falar claramente de si mesmo como sendo o pão verdadeiro. “Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e vida ao mundo”. Descendo sempre, fazendo-se carne, colocando-se no lugar do ser humano necessitado, superando a indiferença e respondendo com compaixão às suas necessidades, Jesus abre caminho à abundância.

Diante dessa afirmação de Jesus, a multidão parece finalmente entender, mas sua compreensão ainda é superficial. O pedido “Senhor, dá-nos sempre desse pão” denota, de novo, uma solução fácil e sem compromisso. E Jesus avança, de modo mais claro ainda: “Eu sou o pão da vida! Quem vem a mim não terá mais fome”. Ele não poderia ser mais claro. Que ninguém espere coisas, mas acolha e sua proposta, e a vida deixará de ser carência e se fará farta.

Meditação:

·      Jesus questiona o que move as multidões ao seu encontro: o que motiva você a procurar e escutar Jesus Cristo hoje?

·      Qual é o sinal que você espera para poder crer nele? Um milagre retumbante, uma cura, a solução das aflições da humanidade?

·      Sua fé se baseia mais nos sinais que Deus realizou no passado, ou naquilo que ele manifesta no tempo presente?

·      Em que medida Jesus cristo e seu Evangelho alimentam suas utopias e iluminam suas buscas?


domingo, 14 de abril de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (320)

320 | Ano B | 3ª Semana da Páscoa | Segunda-feira | João 6,22-29

15/04/2024

Depois de saciar a fome da multidão e de ir ao encontro dos discípulos que remavam angustiados no meio da noite, Jesus volta a Cafarnaum e desenvolve uma longa catequese sobre sua identidade e sua missão. É uma espécie de comentário sobre as leituras feitas pelos judeus na sinagoga, durante a liturgia pascal. O episódio do maná era um dos textos refletidos nesta festa, e Jesus o toma como ponte para apresentar a si mesmo como verdadeiro pão da vida.

Meditaremos o episódio como um todo em partes, ao longo desta semana, mas hoje ficamos apenas com a primeira parte desta catequese, centrada numa espécie de debate entre Jesus e a multidão. O povo chegara entusiasmado, vindo do outro lado do lago, onde presenciara o “sinal” da multiplicação dos pães e dos peixes. A multidão não procura Jesus movida pela fé nos sinais do Reino de Deus, mas buscando alimento abundante e fácil. Jesus convoca a multidão a fazer uma passagem do lirismo à realidade, do interesse imediato aos verdadeiros valores: crer nele e aderir a ele, o enviado do Pai.

Presa às tradições e habituada à buscar as migalhas que lhe sobravam, a multidão insiste em pedir a Jesus um sinal, nos moldes do sinal do maná, um sinal miraculoso e portentoso. Desde sempre doutrinadas pela Lei ensinada pelos doutores e fariseus, as pessoas não sabem o que fazer para viver mais plenamente. Parece-lhes que basta a Lei, e o amargo e parco pão de cada dia. E se pergunta: se a prática da Lei não basta, “o que devemos fazer para realizar as obras de Deus?” E Jesus responde: “Acreditar naquele que ele enviou”.

Acreditar no Enviado do Pai parece pouco, mas se trata de reconhecer Jesus como o Messias esperado, compreender seus sinais e aderir a ele com fé. O sinal do alimento abundante, fruto da compaixão e da partilha, traz consigo o compromisso de doação generosa de si mesmo. Por mais que esteja atento às pessoas concretas e suas necessidades, Jesus não é uma solução mágica para toda indigência humana! Ele realiza e prolonga a ação de Deus no mundo, e se propõe como modelo e caminho.

É assim, contando com o engajamento generoso de quem acredita nele, que Jesus, o Filho do Homem marcado e enviado pelo Pai com seu selo, sacia todas as fomes da humanidade peregrina, contando com sua própria participação.

 

Meditação:

§   O que move você ao encontro de Jesus Cristo? Qual é o sinal realizado por ele que ilumina suas buscas?

§   Em que consiste hoje o alimento que não se perde, que permanece e conduz a uma vida mais plena?

§   O que significa acreditar no deus que enviou Jesus Cristo, e que consequências essa fé tem para sua vida?

sábado, 13 de abril de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (319)

319 | Ano B | 3ª Semana da Páscoa | Domingo | Lucas 24,35-48

14/04/2024

Esta cena está literariamente situada após a cena do testemunho das mulheres e da comprovação, por parte de Pedro, que a sepultura estava vazia; depois da manifestação de Jesus aos dois discípulos na estrada e na partilha do pão; e, finalmente, depois da aparição a Pedro. Apesar disso, a presença de Jesus os espanta, e eles têm dificuldade de acreditar.

A ressurreição de Jesus não pode ser vista apenas como uma espécie de prêmio que o Pai dá ao Filho obediente e generoso. O que a Igreja afirma com a fé na ressurreição de Jesus é algo bem mais sério que a simples ressurreição de um cadáver. O ressuscitado por Deus não é alguém que morreu com idade avançada, rodeado de familiares e amigos ou numa asséptica UTI hospitalar, mas aquele que resgatou a dignidade dos excluídos e foi condenado injustamente por um conluio de autoridades. Ressuscitando Jesus, Deus confirma a validade e a justeza da causa que atraiu a ira e a morte.

Diante do espanto e da perturbação dos discípulos com a sua presença inesperada, Jesus mostra a eles as chagas nas mãos e nos pés, e pede que as toquem. Com isso, sublinha a continuidade do amor que o levou a abraçar a cruz, a continuidade entre o profeta de Nazaré e o ressuscitado. As feridas nas mãos e nos pés são o sinal eloquente de que Jesus é fiel, e se tornou nosso advogado de defesa. Sua ressurreição não é fruto da imaginação dos discípulos.   

Na sua manifestação aos discípulos, Jesus lhes abre a inteligência, para que compreendam as escrituras. O que ele faz não é uma longa e completa catequese bíblica e doutrinal, mas esclarece a imagem de Messias: seu caminho se desvia do poder e da impassibilidade, passa pela aceitação do sofrimento solidário. E, em seu nome, somos convocados/as anunciar a conversão e ao perdão dos pecados, sem exclusões.

Não é possível adentrar no sentido da ressurreição se não nos movemos num horizonte de esperança, se não aceitamos a possibilidade de uma transformação profunda de todas as coisas, uma mudança radical e integral, que já está em curso e que se consumará somente quando Deus for tudo em todos.

 

Meditação:

§  Leia atentamente, palavra por palavra, gesto por gesto este episódio situado depois manifestação de Jesus no caminho

§  Quais são as razões e as consequências da não aceitação da cruz e da ressurreição como núcleo essencial da vida e missão de Jesus?

§  Qual é a perspectiva da nossa leitura das escrituras: buscamos milagres e sinais do poder, ou de compaixão e misericórdia?

§  Como podemos testemunhar hoje que Jesus ressuscitou, que sua vida foi validada por Deus, e seu sonho de vida continua vivo?

O Evangelho dominical (Pagola) - 14.04.2024

COM AS VÍTIMAS

Segundo os relatos evangélicos, o Ressuscitado apresenta-se aos seus discípulos com as chagas do Crucificado. Não se trata de um detalhe banal, de interesse secundário, mas de uma observação de importante conteúdo teológico. As primeiras tradições cristãs insistem, sem exceção, num fato que, em geral, hoje não costumamos valorizar na devida medida: Deus não ressuscitou qualquer um; ressuscitou um homem crucificado.

Mais concretamente, ressuscitou alguém que anunciou um Pai que ama os pobres e perdoa os pecadores; alguém que se solidarizou com todas as vítimas; alguém que, tendo sido perseguido e rejeitado, manteve até ao fim a sua total confiança em Deus.

A ressurreição de Jesus é, portanto, a ressurreição de uma vítima. Ao ressuscitar Jesus, Deus não só liberta um morto da destruição da morte. Além disso, faz justiça a uma vítima dos homens. E isto lança uma nova luz sobre o ser de Deus.

Na ressurreição não é apenas manifestada a nós a onipotência de Deus sobre o poder da morte. Revela-se também o triunfo da sua justiça sobre as injustiças que cometem os seres humanos. Por fim e de forma plena triunfa a justiça sobre as injustiças, a vítima sobre o carrasco.

Esta é a grande notícia. Deus revela-se em Jesus Cristo como o Deus das vítimas. A ressurreição de Cristo é a reação de Deus ao que os seres humanos fizeram com seu Filho. Assim é sublinhado na primeira pregação dos discípulos: «Vós o matastes, elevando-o a uma cruz, mas Deus o ressuscitou dos mortos». Onde nós colocamos morte e destruição, Deus coloca vida e libertação.

Na cruz, Deus ainda guarda silêncio e cala-se. Este silêncio não é manifestação da sua impotência para salvar o Crucificado. É expressão da sua identificação com o que sofre. Deus está ali compartilhando até ao final o destino das vítimas. Os que sofrem devem saber que não estão afundados na solidão. O próprio Deus está no seu sofrimento.

Na ressurreição, pelo contrário, Deus fala e atua para mobilizar a sua força criadora em favor do Crucificado. A última palavra tem Deus. E é uma palavra de amor ressuscitador para com as vítimas. Os que sofrem devem saber que o seu sofrimento terminará na ressurreição.

A história continua. São muitas as vítimas que continuam a sofrer hoje, maltratadas pela vida ou crucificadas injustamente. O cristão sabe que Deus está naquele sofrimento. Conhece também a sua última palavra. Por isso que o seu compromisso é claro: defender as vítimas, lutar contra todo o poder que mata e desumaniza; esperar a vitória final da justiça de Deus.

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 12 de abril de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (317)

317 | Ano B | 2ª Semana da Páscoa | Sábado | João 6,16-21

13/04/2024

Depois de atender a fome do povo, e depois de escapar para que a multidão exaltada não o transformassem num chefe político isolado e poderoso, Jesus sobe ao monte sozinho, toma consciência de que o Reino de Deus tem o dinamismo que brota da cruz e, depois, atravessa o mar sem levar com ele as multidões. O povo precisa então tomar a decisão de fazer ou não a travessia.

Os discípulos desertam, tomam uma barca qualquer, voltam atrás, retornam a uma vida vazia de utopias, desprovida de uma força capaz de impulsioná-la. Por isso, enfrentam a noite, a crise, o mar agitado. A escuridão denota falta de rumo, agitação interior, frustração, discordância, ruptura, busca de velhas soluções. As trevas lembram também a ideologia predominante: submissão às leis do mercado. Eles não esperam Jesus, e o mau espírito os agita.

No meio dessa turbulência tão exterior como interior, Jesus vai ao encontro dos discípulos. Quando eles o veem, temem suas advertências, mas ele caminha sobre as águas turbulentas e vai ao encontro deles. Os discípulos aceitam sua amizade e desejam acolhê-lo, mas a travessia termina imediatamente, assim como a agitação. Eles chegam rapidamente ao lugar para onde Jesus queria levá-los, e não para onde desejavam ir.

O povo ficara perdido, pois a comunidade dos discípulos, que fora a referência para encontrá-lo, desapareceu, fugiu. E então Jesus fala pela primeira vez com o povo, mas não responde às suas perguntas. O que ele faz é evidenciar a ambiguidade das motivações que movem a multidão a busca-lo tão ansiosamente. Jesus pede que alarguem seu horizonte, que entendam os sinais: a compaixão e o amor de Deus, a partilha, o resgate da dignidade das pessoas. É isso que significa “trabalhar pelo pão verdadeiro”, o pão que não acaba.

As multidões, cansadas e esmagadas por múltiplas explorações e dominações, inclusive em nome da religião, não conhecem o amor gratuito, e esperam de Jesus apenas ordens e leis, mostrando-se dispostos à submissão, desde que recebessem o que comer. Tem uma fé limitada, pois veem Jesus apenas como ponto de chegada, desejam o que ele dá, acham difícil ser como ele, viver no espírito dele. Buscar e acolher seu Espírito é buscar o pão que não perece...

 

Meditação:

·    Leia atentamente, sem pressa, palavra por palavra, gesto por gesto este episódio situado depois de Jesus alimentar a multidão faminta

·    Que reações esboçamos diante de atitudes e palavras de Jesus que nos parecem exigentes demais, contra nossas expectativas?

·    O que é que hoje nos amedronta, intimida e diminui nosso necessário compromisso com a transformação do mundo?

·    Temos alguma experiência de acolher Jesus em nosso “barco agitado” e recuperar a serenidade e chegado onde ele queria?

quinta-feira, 11 de abril de 2024

O Evangelho em nossa vida cotidiana (316)

316 | Ano B | 2ª Semana da Páscoa | Sexta-feira | João 6,1-15

12/04/2024

No capítulo 6 do seu evangelho, João nos apresenta o primeiro encontro de Jesus com a multidão. O episódio é situado próximo à festa da páscoa judaica, e, na ocasião, Jesus realiza dois sinais muito importantes: a multiplicação dos pães, às margens do lago, diante de uma multidão e a serviço dela; a caminhada sobre as águas, um sinal mais discreto, na presença apenas dos discípulos.

Jesus está no apogeu da sua missão. A multidão acolhe seu ensinamento e acredita nele, graças aos sinais que realiza. Mais a sua fama e a crescente multidão que o procura acaba provocando uma forte crise: onde encontrar alimento para toda essa gente? Os discípulos já haviam discutido sobre isso, como aparece na resposta de Filipe. Eles haviam calculado que dar uma refeição, mesmo que frugal, ao povo teria um custo equivalente a 100 dias de trabalho!).

Jesus convoca os discípulos a agir e cooperar com ele, e Filipe não vislumbra solução fora do sistema dominante: comprar. André visualiza um começo de solução: comunica a Jesus o que a comunidade dispõe para si mesma. O menino (“criadinho”), símbolo do discípulo, entrega o pouco que tem, sem reservar nada para si. E Jesus faz pelo povo aquilo que se recusara a fazer para si mesmo.

Jesus toma os pães de cevada (alimento de baixa qualidade!) e os peixes e dá graças a Deus. Com isso, liberta estes parcos bens da apropriação privada e exclusiva, e proclama que pertencem a Deus. É quando devolvemos o que temos a quem lhe pertence de verdade que brota a abundância na mesa de todos. Mas os bens só produzem vida abundante quando os discípulos servem.

A resposta da multidão a essa ação de Jesus é o reconhecimento de que ele é o Profeta que esperavam. Mas esse entusiasmo traz em si mesma e esconde uma tentação: fazer de Jesus um rei, um chefe político. Este é o risco que ronda os líderes, tanto políticos como religiosos, quando fascinam o povo.

Jesus se retira sozinho, em busca de integridade e serenidade de coração. Ele se afasta dos discípulos (também tentados pelo poder e pela passividade) e da multidão para se manter fiel à vontade do Pai: confiar às pessoas e solução dos problemas sociais concretos.

 

Meditação:

·    Leia atentamente, palavra por palavra, gesto por gesto este episódio ambientado no deserto, pouco antes da páscoa dos judeus

·    Você se percebe no meio da multidão faminta, que espera alimento, ou entre os discípulos que são chamados a colaborar com Jesus?

·    Qual é sua reação diante dos problemas que afligem o povo hoje: indiferença? Busca de culpados? Busca de soluções?

·    O que você está disposto/a a colocar hoje nas mãos de Jesus para que ele ajude a diminuir o sofrimento do seu povo?